Desde a semana passada, analistas políticos, jornalistas, militantes partidários, ativistas e comentaristas que animam as redes sociais estão em polvorosa. Tudo por causa da divulgação de pesquisas de opinião pública realizadas em fevereiro (Quaest) [FM1] e março (Atlas-Intel)[FM2] , registrando o rebaixamento da aprovação popular do governo Lula. Pasmados, muitos opositores e apoiadores convergiram no diagnóstico: a reprovação popular do governo Lula atingiu um nível preocupante. O que está acontecendo? Devemos correr para as montanhas?
Esse diagnóstico — excessivamente alarmista —, entretanto, carece de fundamentos. Ocorre que as conclusões foram baseadas numa análise da conjuntura (a opinião pública recente), que desconsiderou a estrutura política de longo prazo que molda os eventos correntes. Isto é, quando analisamos conjunturas focando apenas e exclusivamente nas próprias conjunturas, nossas conclusões resultam ser enganosas ou superficiais. Então, as análises de conjuntura devem ter como foco a interação de fatores estruturais — uma série histórica de fatos enfileirados na linha do tempo — com eventos momentâneos. Por esse prisma, é forçoso dizer que a agenda de estudos comparados, mundo afora, já registrou amplamente a tendência de alta aprovação popular a governos recém-empossados em razão das expectativas geradas ao longo do processo eleitoral; esse “efeito lua de mel”, contudo, tende a se reduzir acentuadamente após o primeiro ano de gestão. Logo, o declínio da aprovação popular de Lula 3 confirma um padrão estrutural dos governos presidencialistas em geral.
Em segundo lugar, mesmo quando circunscrita ao contexto brasileiro, a avaliação de Lula 3 não somente está longe de ser uma excepcionalidade como o situa numa posição intermediária perante os demais presidentes. Isso é claramente perceptível na tabela 1, em que estão reunidos os dados levantados pelo Datafolha para avaliar os presidentes após um ano de mandato. Note-se que a porcentagem de ótimo/bom de Lula 3 é mais elevada do que as de FCH 2, Dilma 2, Temer e Bolsonaro em períodos semelhantes. Mais do que isso, com 38%, Lula 3 se aproximou das avaliações obtidas por FCH 1 [41%] e Lula 1 [42%]. Somando-se as avaliações ótimo/bom e regular (avaliação positiva), Lula 3 aparece com resultados superiores aos de FHC 2, Dilma 2, Temer e Bolsonaro. Em suma, em termos comparativos, o primeiro ano de Lula 3 confirma o padrão de frustração de expectativas inerente à maioria dos presidentes — exceto em Lula 2 e Dilma 1.
Tabela 1. Avaliação dos presidentes após um ano de governo [%]
Considerando-se apenas o quadro evolutivo das avaliações de Lula 3, há de se reconhecer que as desaprovações cresceram, como mostra a tabela 2, com dados da Atlas-Intel. No entanto, as variações entre dois levantamentos são bastante modestas; além disso, confrontando-se a primeira avaliação do período (ponto A) com a última (ponto B), temos um saldo de desaprovações diminuto de 4 pontos porcentuais (p.p.). Por fim, embora as aprovações e desaprovações de março estejam em empate técnico dentro das margens de erro, não deixa de ser notável receber a aprovação de 47% dos entrevistados no primeiro ano de gestão — especialmente se considerarmos a difícil situação da máquina pública deixada pela administração anterior, assim como o quadro adverso no Legislativo que o Executivo vem enfrentando.
Tabela 2. Pesquisa Atlas-Intel – aprovação/reprovação do Presidente Lula [%]
Evolução semelhante ocorreu no caso das avaliações a respeito do governo liderado por Lula, como indicado na tabela 3. Poucas variações e um decréscimo reduzido de ótimo/bom entre o início da gestão (ponto A) e a aferição de março deste ano (ponto B). No caso das avaliações classificadas como regular, houve, inclusive, um incremento de alguns pontos porcentuais. Somando-se ótimo/bom com regular (avaliação positiva), os valores são bastante favoráveis.
Tabela 3. Avaliação do governo Lula [%], pesquisa Atlas-Intel
Em relação às políticas executadas em diversas áreas, a pesquisa Atlas-Intel capturou a redução das avaliações positivas desde julho de 2023, com resultados sensivelmente negativos em março de 2024. No interior desse quadro, as maiores insatisfações (e preocupações) se concentram nos temas da segurança pública e do combate à corrupção, algo que põe em causa se a escolha do substituto de Flávio Dino
no Ministério da Justiça foi a mais sábia. Por outro lado, quando instados a comparar os governos Lula e Bolsonaro no desenvolvimento das mesmas políticas, a maioria expressiva considera o desempenho de Lula 3 superior. Isso indica que as expectativas da população em geral ainda não foram devidamente atendidas, mas que, ainda assim, o governo Lula é considerado melhor do que o anterior. No caso da economia, embora os entrevistados não estejam satisfeitos com a atual situação do País, das próprias famílias e do nível de emprego, a expectativa de melhora nos próximos meses é positiva.
Dada a configuração estrutural, pode-se dizer que a avaliação de Lula 3 não foge do padrão geral e é moderadamente positiva. Mais profundamente, as pesquisas revelam que a polarização entre petismo/lulismo e direitismo/bolsonarismo persiste de maneira acentuada desde a eleição de 2022. Com efeito, em outra pesquisa, também realizada no início deste mês, a Atlas-Intel confirmou o que parece ser a sedimentação da nova configuração bipolar da política nacional, emergida desde a eleição de 2018. Essa nova polarização, agora entre a centro-esquerda e a direita/extrema direita, dá mostras de que, além das variáveis econômicas, os valores morais têm um peso cada vez maior na formação das percepções políticas. A religião, mais precisamente algumas igrejas evangélicas, são centrais nesse processo, seja porque se tornaram atores políticos militantes, seja porque são os polos de difusão da agenda do neoconservadorismo radical da direita ocidental.
Portanto, as próximas avaliações de Lula 3 certamente continuarão a sofrer interferências cruzadas desses dois conjuntos de variáveis. Mesmo que a economia obtenha um desempenho excepcional, dificilmente um fervoroso opositor à agenda moral dos partidos de esquerda mudará a avaliação favoravelmente ao governo. Inclusive, Lula 3 enfrentará o seguindo paradoxo: à medida que as condições econômicas melhorem e, desse modo, deixem de ser urgentes, ganhará mais relevância o embate entre as diferentes perspectivas sobre a moral e os costumes.
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