Artigo

O Brasil derruba Elon Musk

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

“Elon Reeve Musk será, em 2027, o primeiro trilionário do planeta.” Essa foi a manchete que li na penúltima semana e que não sai da minha cabeça. O patrimônio de Musk, que cresce 110% ao ano, deverá atingir US$ 1 trilhão, segundo projeção da consultoria Informa Connect Academy. É essa pessoa, atualmente a mais rica do mundo, que tem gastado horas de seu tempo com o que parece ser o seu passatempo favorito como bilionário de extrema direita: atacar democracias pelo mundo.

Em 27 de outubro de 2022, Musk comprou o Twitter. Hoje, podemos entender melhor o motivo de um empresário da área de Tecnologia — conhecido pelos satélites, carros elétricos e foguetes — ter decidido gastar US$ 44 bilhões em uma rede social. A princípio, parecia ser apenas mais um investimento bilionário. No entanto, agora, com o Twitter (renomeado para “X”) valendo menos da metade do preço original (cerca de US$ 19 bilhões), fica claro que o objetivo do empresário não era o lucro.

O Twitter se tornou, para Musk, um canal para disseminar as suas ideias e as daqueles que compartilham das suas crenças, especialmente com o objetivo de influenciar a opinião pública com ideais anti-institucionais e antidemocráticos, além de permitir a circulação de mensagens extremistas de direita. O próprio Musk declarou em um tweet: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”.

Desde que comprou o Twitter e o rebatizou de X — um movimento surpreendente, já que a plataforma era uma marca consolidada, que tinha o próprio verbo para se referir a postar (“tuitar”) —, o bilionário parece estar desafiando democracias ao redor do mundo. O Brasil se tornou um caso emblemático dessa postura, com Musk dedicando atenção especial ao País, fazendo piadas e ridicularizando as instituições nacionais.

Durante as eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) encontraram dificuldades com a colaboração do X na remoção rápida de notícias falsas e discursos de ódio. Em vez disso, houve uma notável lentidão na adoção das medidas ordenadas pela Justiça brasileira para a remoção de conteúdos que violavam a legislação. Musk, em nome da “liberdade de expressão”, criou as próprias regras e permitiu que os discursos que violavam os direitos humanos circulassem sem restrições na rede social.

Nos últimos meses, a situação escalou ao ponto de o STF bloquear o X no Brasil, em 31 de agosto de 2024. Embora críticos de Alexandre de Moraes tenham classificado a decisão como excessiva e monocrática, a ordem foi ratificada pela corte do Supremo. O bloqueio foi o ápice de uma série de descumprimentos de decisões judiciais por Musk, como o não pagamento de multas, a falta de bloqueio de perfis investigados e o fechamento do escritório do X no Brasil, o que deixou a empresa sem um representante legal no País.

Dentre os casos mais alarmantes ignorados pelo X, destaca-se um tweet do senador de extrema direita Marcos do Val, que incluía fotos da filha de 5 anos e da esposa de um delegado que o investigava, com a legenda “Procura-se vivo ou morto”. A Polícia Federal solicitou que Moraes ordenasse a remoção do tweet, mas a plataforma ignorou a ordem, resultando em uma multa de R$ 50 mil por dia enquanto o conteúdo permanecesse no ar. O X, novamente, desrespeitou a decisão judicial.

Musk, ao longo desse processo, tem demonstrado descontentamento com o fato de que a República brasileira impôs limites às suas ações, especialmente quando tenta criar uma nova normativa paralela à Constituição brasileira. Nesse meio-tempo, Musk compartilhou imagens de Moraes ao lado de Lula, insinuando que seria o primeiro “ditador de Voldemort” e alegando estar passando por uma “censura agressiva”. Musk, habituado a conseguir o que quer, como é comum entre aqueles que têm muito dinheiro no sistema capitalista, foi surpreendido ao perceber que as suas ações extremistas foram bloqueadas pelas instituições democráticas brasileiras.

Como destacou a ministra do Supremo Cármen Lúcia, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, em setembro, “num Estado soberano, todos nós, cidadãos, e todos aqueles que atuam aqui têm de cumprir a lei do País. É assim em todo lugar. O Brasil não é menor, o Brasil não é quintal de ninguém, é um Estado soberano que precisa ter o seu direito respeitado. […] Liberdade de expressão não pode ser capturada por aqueles que querem que a expressão seja o que eles acham. O dono do algoritmo não pode achar que ele é o único que tem uma expressão livre”. Desta vez, o herdeiro desacostumado a perder, perdeu.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.