A Europa tem fervilhado no último mês, com pleitos importantes que sacudiram o status quo. Entre 6 e 9 de junho, ocorreram as eleições do Parlamento Europeu, momento em que a União Europeia escolheu 720 deputados para compor o corpo legislativo do bloco. Muito se falava sobre um grande avanço da extrema direita, mas não foi exatamente isso que aconteceu. Houve, sim, uma consolidação da extrema direita, porém também houve uma estabilização das ideologias com raízes na democracia, como os social-democratas e os liberais.
A extrema direita passou de 118 para 131 eurodeputados. A direita perdeu 14 deputados e, agora, tem 264 membros. A centro-esquerda e a esquerda tinham 247 assentos e foram para 227. O avanço dessa extrema direita foi especialmente forte entre os eurodeputados eleitos por franceses, alemães e austríacos. Na Alemanha, os conservadores ficaram em primeiro lugar (29 cadeiras). Em terceiro lugar, apareceram os ultradireitistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), com 15 cadeiras. Vale lembrar que a própria Marine Le Pen, política da extrema direita francesa do partido Reunião Nacional, rompeu com a AfD depois que um de seus eurodeputados, Maximilian Krah, afirmou que nem todos os membros da organização nazista SS eram criminosos.
Na França, o susto foi ainda maior. O Reunião Nacional obteve 31,37% dos votos, equivalente a 30 eurodeputados. Em segundo lugar, ficou o partido de Emmanuel Macron, o Renascimento, de centro-direita, com 14,6% (13 cadeiras), e em terceiro lugar, os socialistas, com 13,83% (também 13 cadeiras). Após esse resultado, Macron empreendeu uma jogada de alto risco no xadrez político francês, dissolvendo a Assembleia Nacional e antecipando as eleições legislativas, que só aconteceriam em 2027.
O presidente francês pareceu entender o resultado das eleições europeias como um recado de insatisfação dos franceses em relação ao seu governo, mas não como uma vontade ideológica de guinada à extrema direita. Ele chegou a declarar: “Ouvi a sua mensagem e não a deixarei passar sem resposta”. Essa estratégia arriscada causou pânico entre os defensores da democracia. Em 30 de junho, data do primeiro turno para a escolha dos 577 membros da Assembleia Nacional Francesa, com uma participação massiva da população, o bloco liderado por Marine Le Pen e seu pupilo, Jordan Bardella, obteve 33,1% dos votos. A coalizão de esquerda, a Nova Frente Popular, liderada por Jean-Luc Mélenchon (Partido França Insubmissa), obteve 27,99%. Já a aliança macronista ficou em terceiro lugar, com 20,76% dos votos.
O país, em pleno verão à espera das Olimpíadas, gelou. Já se falava de uma guinada à direita e um possível governo de coabitação com um presidente de centro-direita e um primeiro-ministro de extrema direita. A estratégia construída foi, então, uma ampla frente democrática para barrar o extremismo e evitar que Jordan Bardella assumisse como primeiro-ministro. Assim, a coalizão de esquerda de Mélenchon obteve a maioria dos assentos, com 182. A coalizão governista conseguiu 168 assentos, e a extrema-direita, apesar de ter crescido em 55 assentos, obtendo 143, não conseguirá indicar um primeiro-ministro.
Talvez, agora, Macron entenda que o discurso “Não sou de direita, nem de esquerda, apenas Le Macron” esvazie a política. Todos têm ideologias, e a política é feita de projetos para a sociedade a partir de pontos de vista e valores. Além disso, a falsa simetria entre extrema direita e esquerda é muito problemática. A primeira não está localizada no espectro democrático. Quando se deseja que outros cidadãos sejam desconsiderados, expulsos ou inexistam, não se pode considerar que se está lidando com partidos dentro da democracia.
Concomitantemente, ocorreram as eleições no Reino Unido, no dia 4 de julho. Os trabalhistas tiveram uma ampla vitória, após 14 anos de conservadores no poder, levando 412 das 650 cadeiras. As soluções da direita para resolver os problemas britânicos, como o Brexit, não levaram ao sucesso. O país tem a pior economia entre os ricos. A população parece ter entendido que as soluções simples propostas, como a saída da União Europeia e o veto à imigração, não são eficazes para resolver dificuldades em Segurança Pública e Saúde, como se prometia.
Ao mesmo tempo, Nigel Farage, de extrema direita e considerado o pai do Brexit, foi eleito para o parlamento britânico juntamente com outros 12 reformistas. O seu partido, o Partido Reformista, tem aquele mesmo discurso antissistema já visto em outros discursos fascistas ao redor do mundo. Farage, inclusive, declarou no Twitter que “a revolta contra o sistema está em curso”. Já houve ocasião em que um membro do partido sugeriu que imigrantes em barcos deveriam ser usados para “prática de tiro ao alvo”. O próprio Donald Trump parabenizou Farage pela vitória.
As eleições europeias oferecem uma boa ideia de como as tensões têm estado nítidas ao redor do mundo. A extrema direita vem se firmando como uma opção e levado votos da direita e da centro-direita. Ao mesmo tempo, o centro e a esquerda parecem ter começado a entender o próprio papel neste momento histórico, no qual a questão não é apenas garantir direitos aos cidadãos, mas defender a manutenção da democracia.
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