A eleição majoritária de 2024 atende por dois fenômenos principais: direita e reeleição. Mais de 80% dos incumbentes que tentaram se manter no poder conseguiram, e aqui devemos compreender uma mescla entre a intensa força da máquina contra as dificuldades de adversários estruturarem-se em campanhas curtas e, por vezes, pouco competitivas. No entanto, também há de se considerar que, em muitas cidades, os eleitores olharam para seus governantes e disseram “Eu quero que isso continue como está”, por pior ou melhor que possa ser. Isso, em tese, pode representar amadurecimentos democráticos, assim como a necessidade de ajustes.
Em termos ideológicos, os partidos alinhados à direita sobraram nas eleições. Se, em 2008, o então presidente Lula virou um cabo eleitoral disputado a tapa em centenas de cidades, o que se viu neste ano foi a intensificação de uma fala antipetista e anticomunista, além da valorização de Deus. É do universo conjuntural, e nada impede que isso mude no tempo (a despeito da direção). Mas que isso não soe como natural, pois há muito trabalho de construção e desconstrução nessa história. De informação e de desinformação. O lidar com o universo virtual, a realidade religiosa, a atuação do Judiciário, a inteligência política e o trabalho de gestão contam demais e estão misturados à luz da realidade.
Em 2024, nesse ambiente direitista, o que não faltou foi a percepção de uma fissura imensa que pode levar às tendências ou aos desafios de 2026. Somar fatos aqui ajuda na compreensão. Em 2018, Bolsonaro foi eleito em primeira pessoa e se mostrou um político extremamente preocupado com o próprio universo. Trata-se, indiscutivelmente, de um fenômeno de votos com muita força política. Mas esse mesmo cidadão não foi reeleito e, para além da avassaladora quantidade de votos que teve em 2022, se tornou inelegível. Sem máquina na mão e impedido de competir, precocemente o seu espaço passou a ser disputado — inclusive por ele mesmo. Na sua visão, ele deve ser o nome do PL em 2026, e se a Justiça mantiver o impedimento, é ele quem escolheria o substituto. Algo parecido ocorreu com PT e Lula seis anos atrás, quando Fernando Haddad foi catapultado de vice a titular perto do prazo-limite de alteração da chapa. A questão aqui é entender se Bolsonaro tem, no PL, a força que o rival tinha no PT. Improvável, a começar pela própria história partidária de ambos. Não à toa, além dos conflitos políticos abertos pelo ex-presidente contra possíveis aliados, existe uma guerra interna contra Valdemar Costa Neto, presidente do PL, por espaço na legenda.
Mas voltemos aos conflitos políticos extrapartidários. Afora a tentativa de conquistar cada vez mais recursos do partido, Bolsonaro não gostou de ter sido escanteado discreta ou abertamente pelos governadores que buscam força política local e alavancamento para as disputas de 2026. Assim, brigas ocorreram em todas as frentes declaradas da direita que se pretendem nacionais. No primeiro turno, Bolsonaro foi contra a candidatura de Zema (Novo) em Belo Horizonte, contra Caiado (UBR) em Goiânia, contra Ratinho Jr. (PSD) em Curitiba e contra Tarcísio (Republicanos) em São Paulo — neste último caso, há controvérsias em torno do comportamento errático de apoio a Nunes ou Marçal, e aqui reside desafio imenso. Bolsonaro queria apoiar abertamente Marçal, mas se “Narciso” acha feio o que não é espelho, a imagem e semelhança também incomoda quando não é a própria. Marçal é um Bolsonaro reloaded, mas o ex-presidente não tem aparente controle sobre seu funko pop — e esse é o problema. Ao comprar briga contra uma direita de caráter mais centrista, o militar não imaginava ser atacado às costas pela versão política de “o brinquedo assassino”, ou seja, o próprio terreno pode ter se estreitado.
A pesquisa Quaest finalizada no início do segundo turno foi emblemática: na corrida presidencial, Lula tem 32%, Marçal nacionalizado soma 18% e Tarcísio, o mais competitivo dos governadores, marca 15%. A política, novamente, dividida em três terços: a) o da esquerda de Lula; b) o da direita cindida na briga de Bolsonaro contra o seu cover, contra a direita centralista e contra o próprio partido e; c) o último, capaz de sonhar com a terceira via, mas findar escolhendo votar na direita contra a esquerda (ou nesta contra a direita). Entende por que as abstenções crescem tanto? Essa cantilena é velha e tende a se repetir?
O ponto central então é compreender, a partir de agora, o que significa a direita em termos nacionais. O bolsonarismo é maior que Bolsonaro, e a tendência ao arrefecimento das intensidades começou a partir da inelegibilidade precoce do capitão perdedor da reeleição. Para o ex-presidente, pode ser estratégico se manter na postura de lobo solitário, franco-atirador ou de eterna vítima na política, mas até nesse campo arrumou concorrente. Enquanto isso, governadores e candidaturas às prefeituras se articulavam numa lógica afeita à ideia de centrão — e esse conceito é mais complexo do que se imagina.
Aqui, vários sinais foram dados por direitistas. Alguns meses atrás, Arthur Lira (PP/AL) disse que o legado de Bolsonaro foi desavergonhar a direita conservadora no Brasil, enquanto Ciro Nogueira, presidente nacional do Progressistas, indicou, depois do primeiro turno, que a sociedade está cansada de extremismos. O Republicanos ensaia eleger o presidente da Câmara e pode se aproximar do Planalto por apoio. O PSD sai das urnas como o maior partido municipal do Brasil, realizando o sonho de “quero ser MDB” de Gilberto Kassab, ou seja, um partido descentralizado que se faz forte na política, mas frágil no pleito presidencial. Ratinho Jr. e Rodrigo Pacheco não parecem ter fôlego para essa disputa, mas a legenda não será desprezada. Some PP, Republicanos, MDB e PSD e veja o tamanho que isso tem. Resta saber se a soma das partes é capaz de construir um todo competitivo, ou se as aventuras do modo bolsonarista de ser ainda farão sentido e terão peso. Esse é um dos dois pontos centrais da disputa de 2026.
Por fim, não pense que escrevi tudo isso sem notar que a esquerda não tem problemas. Nada disso — e aqui está o segundo ponto central. A esquerda encolheu demais nas eleições municipais, reforçando a lulodependência, e o presidente da República está cansado, dando sinais de que, a partir de 2027, pode não ter fôlego para estar reeleito. Ademais, o PT está em crise existencial, e eleições internas tendem a escancarar ainda mais as adversidades. Se o atual governo federal tem dificuldade para comandar politicamente o País, passa por fato semelhante ao que atravessa Bolsonaro: vai para o embate tentando cooptar um Congresso conservador na lógica de coalizão, enquanto a própria casa mostra conflitos de diferentes ordens. Isso só não está pior porque Lula ainda centraliza algo, o que mascara conflitos. Até quando?
Escolha a sua versão do caos: a direita abertamente em guerra, a esquerda se escondendo atrás de um líder cansado ou a parcela da sociedade que mescla a apatia do afastamento das urnas com a construção, possivelmente artificial, de uma novidade de estimação. Feliz 2026!
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