Artigo

Os cientistas políticos e as eleições

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Como de praxe, nos momentos imediatamente após a proclamação dos resultados eleitorais, os analistas políticos são massivamente demandados pelas mais diversas mídias, ávidas por avaliações do fenômeno a partir de todos os ângulos possíveis, preocupadas que estão em esmiuçar cada detalhe do processo e do comportamento das personagens envolvidas na disputa. Os analistas, então, são instados a traçar as implicações do que saiu das urnas para o andamento dos governos e, como não poderia deixar de ser, para a próxima eleição. 

Mais afeitos às análises estruturais, cientistas políticos, de um modo geral, evitam tecer considerações taxativas acerca das conjunturas, seja porque sabem que os dados precisam de um exame mais cuidadoso — o que exige um tempo maior —, seja porque as análises de conjuntura sempre correm o risco de soar como comentários jornalísticos, normalmente mais anedóticos e, em geral, desprovidos de uma amarração teórica.

No entanto, esses cientistas políticos não podem se esquivar da volumosa demanda por análises a cada novo ciclo eleitoral. Treinados para análises estruturais, somos, então, provocados ao exame de eventos conjunturais, o que que causa um estranhamento similar ao de um urso polar transplantado para alguma zona tropical (uma saída possível é proceder estudos estruturais de dados conjunturais, mas isso fica para depois). Por isso, as análises que circulam nos dias seguintes às eleições costumam ser consideravelmente desencontradas umas das outras e, muitas vezes, com precisão reduzida. Nada mais natural do que isso, pois avaliações apressadas são, por excelência, diagnósticos com dados incompletos ou ainda pouco examinados e, às vezes, desconectados de padrões históricos. 

Ainda assim, esse esforço avaliativo para responder à demanda pública é válido — e até necessário. Em primeiro lugar, essas análises podem funcionar como avaliações especulativas dotadas de um nível de sofisticação mais elevada do que simples opiniões ou impressões gerais; ou seja, são hipóteses com um grau de plausibilidade satisfatório que, depois — e na medida do possível —, serão “testadas”. Em alguns casos, inclusive, as avaliações oferecem “sacadas” interessantes e permitem uma intepretação coerente tanto do processo eleitoral per se como das suas prováveis consequências para a governabilidade. Se até os institutos de pesquisa de opinião erram para além da margem de erro, nossas análises de conjuntura, tecidas no calor da hora e sem dados consolidados e devidamente tratados, são passíveis de erros aceitáveis, legítimos e, inclusive, válidos dentro de determinados parâmetros. 

Em segundo lugar, devemos considerar que as nossas análises pós-eleitorais são, principalmente, uma prestação de serviço ao público, pois, com isso, somos capazes de organizar o aparente caos da competição partidária no âmbito do sistema político. Cientistas políticos não são apenas analistas de dados (políticos), são também, e sobretudo, “produtores de sentido”— temos de ligar os pontinhos dos fatos que parecem desconexos, encontrar uma ordem e um propósito no comportamento humano, enfim, temos que apresentar as “conexões de sentido” da política.

Digo tudo isso porque saímos destas últimas eleições municipais com alguns fatos já analisados ou em análise, com dados interpretados e extrapolados em suas consequências, alguns deles desencontrados, mas relativamente plausíveis. Entretanto, saímos também com alguns quebra-cabeças que exigirão algum esforço além da análise conjuntural. Como todos sabem, o Rio Grande do Sul foi atingido por uma catástrofe climática. A região do Vale do Taquari foi a que sofreu de forma mais drástica, com municípios que praticamente desapareceram sob as águas. Em algumas dessas regiões, os prefeitos foram “punidos” pelos eleitores, que votaram nos candidatos “desafiantes” — tudo em conformidade com a estrutura do comportamento eleitoral dos nossos modelos explicativos, que estabelecem que o eleitor vota seguindo um cálculo retrospectivo do desempenho do mandatário no que diz respeito à realização dos próprios interesses. Nesses casos, foi tranquilo explicar a conjuntura usando uma abordagem estrutural.

No entanto, em outros desses municípios, para surpresa geral, os prefeitos foram reeleitos ou elegeram o seu sucessor. Em Lajeado, o prefeito (PP) estava no segundo mandato e não pôde concorrer, mas conseguiu eleger a sua sucessora, do mesmo partido, com 47,12%. O prefeito de Encantado, do PSDB, reelegeu-se com 58,88%. Votação ainda maior obteve o prefeito reeleito de Muçum, do MDB, com 80,82%. Em Porto Alegre, o prefeito em exercício, do MDB, quase venceu a eleição no primeiro turno e já tem a vitória praticamente assegurada na segunda volta. O problema é que, na capital, foi notório o descaso da atual administração quanto a protocolos e equipamentos de prevenção à enchente.

“Como explicar isso, professor?” Esta é a pergunta que jornalistas e curiosos não param de fazer nos últimos dias. Tudo o que temos são hipóteses e a constatação de que precisamos estudar o fenômeno mais a fundo antes de dar qualquer resposta mais segura. Temos, inclusive, de repensar os nossos modelos explicativos estruturais. É forçoso reconhecer que a máxima de Jim Carville (“it’s the economy, stupid!”) é insuficiente para as nossas análises conjunturais e estruturais, inclusive as provisórias e apressadas que somos convidados a apresentar no espaço público. Como disse antes, somos necessários para mostrar as conexões de sentido da política.

Uma catástrofe conjuntural como essa deveria reforçar a explicação estrutural: a racionalidade instrumental do eleitoral levaria os desafiantes à vitória contra os atuais prefeitos das cidades mais atingidas. Essa, aliás, foi a esperança do PT em Porto Alegre, onde se esperava que a enchente evitaria a reeleição do atual prefeito.

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