Artigo

Poder mediador ou megalomaníaco?

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

O perfil de país pacífico, conciliador, democrático, com diplomacia profissional e defensor da soberania de todas as nações tem sido usado há décadas pelo Brasil como credencial para promover o seu prestígio global como um grande negociador de tensões e conflitos globais. Na última semana, este tipo de tentativa de inserção no mundo voltou a ganhar destaque quando o chanceler Carlos França afirmou que o País poderia atuar como mediador para ajudar a acabar com o conflito entre Rússia e Ucrânia. Segundo ele, o Brasil é um ator global e tem uma diplomacia que se construiu ao longo de 200 anos como formadora de consensos, cuja voz sempre foi respeitada na Organização das Nações Unidades (ONU).

A premissa de França poderia fazer sentido. De fato, a rejeição do uso de poder militar em questões internacionais e o perfil diplomático nacional são reconhecidos por outras nações como trunfos. O País costuma ser citado por internacionalistas estrangeiros como um potencial participante de negociações que possam ajudar a garantir a paz e resolver conflitos.

Como muito do que acontece em relação à atuação internacional do Brasil, entretanto, a teoria e a prática nem sempre andam juntas, o que é ainda mais evidente durante o atual governo de Jair Bolsonaro.

A atuação negociadora do Brasil é muito lembrada por sua participação na missão de paz da ONU no Haiti, entre 2004 e 2017, quando o País liderou um esforço internacional para tentar reduzir tensões. Algumas ações semelhantes na África também já ganharam reconhecimento global, ainda que em menor escala. Contudo, o Brasil nunca conseguiu ir muito além disso.

Pelo contrário: o fracasso de uma tentativa de atuar como mediador em uma questão global de maior escala, como no acordo nuclear entre o Ocidente e o Irã, em 2010, se consolidou como uma marca da mal-sucedida busca da Nação por um lugar de destaque na mesa dos principais atores internacionais.

Por mais que o País tenha se sentido incentivado pelos Estados Unidos a tentar mediar o acordo, os esforços brasileiros em parceria com a Turquia não foram levados a sério pelo grupo de países-membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha. O acordo proposto pelos brasileiros acabou sendo praticamente ignorado pelas grandes potências, enquanto se formava uma imagem de que o Brasil estava dando um passo maior do que as pernas ao tentar se envolver em uma questão que não lhe dizia respeito. Algo semelhante, com ainda menos impacto, ocorreu em situações em que o Itamaraty se propôs como possível negociador de paz entre Israel e Palestina.

Ao mesmo tempo, essas mesmas potências globais frequentemente questionam a incapacidade brasileira de assumir um papel de liderança, de fato, na América do Sul. Muitos observadores externos questionam a falta de ação efetiva nacional na crise política da Venezuela, por exemplo, como uma demonstração da limitação deste perfil conciliador que o País tenta projetar.

No caso da guerra da Ucrânia, a falta de noção brasileira sobre seu potencial global fica ainda mais evidente pela postura do governo Bolsonaro em relação à atuação russa. Vale lembrar que, dias antes do início da invasão da Ucrânia, Bolsonaro se disse solidário com a Rússia. Mais do que isso, desde o início da guerra, o Brasil tem ficado em cima do muro, evitando criticar de forma mais dura a agressão russa e rejeitando sanções impostas pelo Ocidente ao governo Putin. Os Estados Unidos chegaram a criticar o País por seus posicionamentos.

Com esta atuação vacilante, é difícil imaginar que qualquer esforço nacional em tentar se promover como mediador de questões de grande impacto seja levado a sério pelo Ocidente. Esta visão parece presa a uma interpretação equivocada do lugar da Nação no mundo, pois não leva em consideração como esta é percebida no exterior. A avaliação da comunidade de política externa das maiores potências é que o Brasil pode até ser um potencial negociador, mas que não tem uma voz relevante o suficiente para fazer a diferença em casos importantes, como a guerra em curso na Europa. Qualquer atuação diferente pode ser vista, novamente, como mais “um passo maior do que a perna”, mais um exemplo de megalomania de um país que não tem a importância que acha ter.

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