No livro Algorithmic Institutionalism: The Changing Rules of Social and Political Life (Oxford University Press, 2024), Ricardo Fabrino (UFMG), Virgílio Almeida (UFMG) e Fernando Filgueiras (UFG) argumentam que algoritmos seriam instituições emergentes, ou seja, “conjuntos de regras formais e informais que estabelecem contextos nos quais ocorrem interações humanas e algorítmicas”. Isso implica algoritmos influenciando decisões em diversas áreas, desde indivíduos até empresas e instituições públicas. As Inteligências Artificiais (IAs), que utilizam algoritmos para processar informações, vão além ao aprender a partir de grandes volumes de dados, o que abre novas possibilidades de impactos às sociedades contemporâneas.
Nesse contexto, a Proposta de Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), também chamada de “IA para o Bem de Todos”, divulgada no fim de julho, é particularmente interessante. Primeiro, porque insere o Estado brasileiro na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, ajudando a combater, ao menos em parte, o colonialismo digital — que tem a ver com o controle das grandes corporações, em especial as do Norte Global, sobre as tecnologias digitais, os dados e a própria internet. Tudo isso resulta na concentração de conhecimento e enriquecimento dessas megaempresas com as nossas informações — é como o próprio Lula disse no lançamento do PBIA: “As Big Techs coletam dados sem pagar imposto e ficam ricas”.
Por outro lado, o Brasil retoma a tradição de ser inovador ao regular e implantar a tecnologia. Lembremos que o Marco Civil, sancionado em 2014, era, à época, a regulamentação mais inovadora do mundo em defesa dos direitos pessoais, com a neutralidade da internet como pilar central. O jornal francês Le Monde chegou a afirmar que a Lei 12.965/14 serviria de exemplo para o mundo e contribuiria para a “desamericanização” da web.
O País também se destacou em vários outros momentos, como com a Lei de Transparência (12.527/2011), em vigor desde 2012, que estabelece o direito dos cidadãos de solicitar e receber informações de órgãos e entidades públicas sem necessidade de justificativa. Outro momento importante foi durante a pandemia, quando o parlamento nacional foi o primeiro do mundo a implementar um Sistema de Deliberação Remota (SDR).
Assim, o IA para o Bem de Todos surge como uma continuidade desses esforços, definindo objetivos essenciais para dotar o Brasil de infraestrutura tecnológica avançada e com alta capacidade de processamento, incluindo a instalação de um dos cinco supercomputadores mais potentes do mundo e a criação de uma “nuvem soberana” para armazenar dados sigilosos. Destaca-se também a preocupação com o desenvolvimento de “modelos avançados de linguagem em português” para fortalecer a soberania do País em IA e abranger a “diversidade cultural, social e linguística” nacional.
Além disso, há a intenção de fazer o uso de energias renováveis para alimentar esses sistemas. Outro ponto relevante é a formação em larga escala de trabalhadores para atender à demanda por profissionais qualificados no manejo da tecnologia. Isso significa que o plano pensa tecnologia de ponta com olhar para a sociedade e desigualdades.
Com um investimento de R$ 23 bilhões, o governo promete se posicionar na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, implementando, inicialmente, 31 ações nas áreas da Saúde, da Agricultura, da Indústria, do Comércio e dos Serviços, da Educação, do Desenvolvimento Social e da Gestão do Serviço Público. Um exemplo é a criação de um sistema de predição e proteção da trajetória dos estudantes, que identificará fatores de risco para reduzir o número de alunos que abandonam escolas e universidades. Para implementar tudo isso, o governo e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação terão vários desafios, como o de constituir a Infraestrutura Nacional de Dados, objetivo que está contido na Estratégia Federal de Governo Digital. Sem uma integração dos bancos de dados nacionais, não será possível avançar de forma efetiva.
Enfim, ao pensar em um país de proporções continentais, o que se pretende é audacioso. No entanto, se quisermos estar com os grandes e soberanos, será preciso ousadia. Enviarei orações aos veto players no caminho da sanção e da execução desse plano para que tenham juízo. Amém.
Para saber mais
SILVEIRA, Sérgio Amadeu et al. Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal. Autonomia Literária, 2022.
SILVEIRA, Sergio Amadeu. Marco civil e a proteção da privacidade. ComCiência, nº 158, 2014.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.