Artigo

Revisitando as prerrogativas atípicas da OAB

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
Luís Felipe Andrade Barbosa
é doutor em Ciência Política e professor no Centro Universitário ASCES UNITA.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
Luís Felipe Andrade Barbosa
é doutor em Ciência Política e professor no Centro Universitário ASCES UNITA.

No último dia 8 de maio, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou categoricamente que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) alterna entre um perfil público e um privado, a depender de interesses específicos do momento, ressaltando que, em termos históricos, a entidade tinha atuações que superavam o limite de defesa de interesses corporativos.

O ministro pontuou uma questão que decorre do desenho institucional da OAB, conforme entendimento do próprio STF, consubstanciado na ADI 3016/DF — a entidade é considerada serviço público independente, categoria ímpar no desenho constitucional brasileiro, desfrutando de um rol de atribuições atípicas:  a) ausência de pertinência temática, como ator legitimado universal para propositura das diferentes ações do controle concentrado de constitucionalidade (Art. 103, VII, da Constituição Federal); b) ausência de controle externo, notadamente do Tribunal de Contas da União (TCU); c) caracterização como serviço público independente.

Ocorre que, para além dessas prerrogativas atípicas, de contornos públicos, podemos ainda considerar a sua atuação institucional, de natureza nitidamente privada (corporativa), em defesa de advogados e advogadas, amparada no Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), com os destaques da lei para o seu caráter público e sua independência funcional.

Essas nuances transformam a entidade em um ator político muito poderoso no desenho institucional brasileiro, instrumentalizando os seus interesses ora na esfera pública, ora na esfera privada, além de acionar, institucionalmente, o Poder Judiciário “para provocar decisões sobre questões públicas e/ou corporativas, de seu interesse direto”, conforme “impressão” verbalizada pelo ministro Dino.

Sobre essa questão, no universo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) propostas pelo Conselho Federal da OAB no STF até 2012, verificam-se dois direcionamentos distintos: (1) no período de 1989 a 1999, 51,36% dessas ações versavam sobre interesse corporativo; enquanto que, (2) no período de 2000 a 2012, 32,09% versavam sobre questões corporativas, visualizando-se uma mudança relevante de atuação da OAB nesse segundo período, com tendência positiva para as temáticas envolvendo o interesse público.

No presente momento, notabilizado por forte polarização política, vê-se aparente recuo da OAB quanto ao enfrentamento de questões públicas conflituosas, dedicando-se a ajuizar processos predominantemente relacionados aos interesses corporativos dos advogados.

Essas oscilações de perfis, quanto ao modo de atuação desse importante ator na arena da revisão judicial concentrada, continua ocorrendo até hoje, a depender de contextos sociopolíticos e da composição periódica dos membros do conselho federal — ora abraçando a defesa de direitos fundamentais, ora focando na proteção de interesses caros à categoria profissional dos advogados.

Portanto, a fala do ministro destaca a importância de se revisitar o debate sobre o rol de prerrogativas da OAB e a atuação desse ator tão importante do desenho institucional brasileiro, verificando em que medida a própria atuação é significativa em termos de fortalecimento e qualidade da democracia.

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