Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para mudar sete dos assentos da Câmara dos Deputados. Os deputados foram eleitos a partir de uma interpretação da norma pela Justiça Eleitoral que, depois, foi modificada pelo STF. Para entrar na segunda fase, segundo a lei, seria preciso que os candidatos tivessem, ao menos, 20% do quociente eleitoral — e seus partidos, ao menos 80%. O problema é que, nesses sete casos, não havia candidatos que cumprissem ambos os requisitos. A Justiça Eleitoral, então, optou pelo critério partidário, enquanto o STF julgou a derrubada desse critério na segunda fase da distribuição. Entendemos que é o momento de parar e olhar com calma para essa fase do processo de contagem de votos e alocação de vagas.
Em 1998, algo em torno de 88% das vagas para a Câmara dos Deputados foram alocadas na primeira fase do cálculo, isto é, foram destinadas a coligações que tinham números inteiros na divisão do número de votos válidos pelo número de cadeiras. Esse porcentual mudou pouco até 2014. A partir de 2018, no entanto, isso mudou — e nas eleições de 2022, mais de um terço das cadeiras foi distribuída na segunda fase.
Em artigo recém-publicado na revista Cadernos Adenauer, Graziella Testa e Thiago Matheus apontam um efeito mecânico pouco discutido do fim das coligações eleitorais para eleições proporcionais: o aumento do número de chapas, e, portanto, o crescimento no número de vagas distribuídas nas segunda e terceira fases do cálculo para distribuição das cadeiras no modelo brasileiro proporcional de lista aberta.
Outro aspecto que precisa ser levado em conta é que esses efeitos são sentidos de formas diferentes em diferentes Unidades da Federação (UFs). Não é coincidência que quatro dos mandatos cassados pelo STF sejam do Amapá e os demais, de Rondônia, Tocantins e Distrito Federal. Essas são UFs com número mínimo de deputados e que, portanto, estão sujeitas à maior cláusula de barreira da Federação — para eleger um único deputado na primeira rodada, é preciso que o partido receba, sozinho, ao menos 12,5% do total de votos para deputado federal. Em São Paulo, onde a bancada é de 70 deputados, o partido precisa de um mínimo de 1,2% dos votos válidos. Para efeito de comparação, o candidato mais votado para o Senado, em 2022, recebeu 28,5% dos votos em Sergipe — pouco mais de duas vezes o Quociente Eleitoral (QE) necessário para eleger um deputado — enquanto em São Paulo, o senador mais votado recebeu 49,7% dos votos (35 vezes o QE).
Se a paulatina implementação da cláusula de desempenho cumprir o efeito esperado e reduzir o número de agremiações partidárias, a tendência é que cesse o aumento da proporção de vagas distribuídas na fase das sobras. No entanto, a desigualdade entre as UFs tende a se manter, e o risco nos médio e longo prazos é que partidos menores só consigam continuar a existir nos distritos grandes, onde não precisam alcançar uma proporção tão alta do total de votos.
O ponto que queremos ressaltar aqui é que um efeito indesejado da salutar reforma de 2017, que proibiu as coligações e estabeleceu a cláusula de desempenho, é a regionalização de alguns partidos, que não vão conseguir continuar existindo em distritos menores. No caso da eleição para a Câmara dos Deputados, uma das formas de se resolver essa questão seria estabelecer que os partidos que entraram na primeira rodada em alguma UF pudessem participar na distribuição das sobras em todas as outras.
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