Artigo

Trump é uma trampa

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E
Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Eis que Donald Trump consegue a façanha de chegar à Casa Branca mais uma vez. Até então, apenas Grover Cleveland tinha vencido uma segunda eleição presidencial não consecutiva, em 1892. Contudo, 132 anos depois, o eleito repetiu esse feito, superando adversidades muito maiores — saiu ileso de dois processos de impeachment ainda no primeiro mandato, foi banido das redes sociais por um tempo, envolveu-se num cerco de acusações judiciais, chegou a ser o primeiro presidente condenado por um crime e permanece indiciado em diversas outras investigações —, inclusive por tentativa de invalidar as eleições de 2020 e por estimular a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.

Mas isso não é tudo. Ao longo da campanha deste ano, Trump voltou a ser alvo recorrente de críticas e acusações da maior parte das grandes mídias norte-americana e internacional — geralmente mais alinhada com o Partido Democrata. Apresentadores, articulistas, analistas, comentadores e toda a fauna jornalística desses veículos apontaram os dedos para as posições do eleito consideradas ultraconservadoras, conspiratórias, negacionistas, xenófobas, machistas, protecionistas e extremamente nacionalistas. Até requentaram a alegada “interferência russa” nas eleições, referindo-se às relações do republicano com Vladimir Putin, consideradas demasiadamente amistosas. Trump, porém, não apenas escapou ileso da inelegibilidade atrelada aos processos judiciais como também sobreviveu a duas tentativas de assassinato, que, em boa medida, contribuíram para consolidar a sua imagem de cavaleiro solitário e destemido que enfrenta o establishment.

E não foi uma vitória qualquer! O líder MAGA (Make America Great Again) foi o vencedor tanto na contagem do colégio eleitoral (312 contra 226) como no sufrágio popular. Desde a reeleição de G. W. Bush, em 2004, naquele clima de nacionalismo bélico ufanista da “terra ao terror”, nenhum republicano havia logrado esse feito. Seis Estados que deram vitória aos democratas em 2020 —Arizona, Georgia, Michigan, Nevada, Pennsylvania e Wisconsin —, agora, caíram nos braços do eleito. Em outras palavras, quase toda a cartografia do país foi tingida de vermelho, a cor do Partido Republicano. E mais: além de manter a posição majoritária na Casa dos Representantes, o partido conquistou a maioria dos assentos no Senado — das 11 governadorias de Estado em disputa, os republicanos venceram 8, elevando para 27 as unidades federativas sob o seu comando.

Como isso foi possível? Para os eleitores de Trump, os problemas mais relevantes dos Estados Unidos são a economia, a imigração e os apoios militar, financeiro e político à guerra da Ucrânia e ao massacre de Gaza pelo governo de Israel. De fato, a despeito da melhora em alguns indicadores macroeconômicos, a inflação dos últimos anos vem deteriorando a qualidade de vida da classe média e aprofundando o quadro de pobreza. Diante de endividamento privado nas alturas, poucos recursos para gastar com saúde e alimentação e infraestrutura do país cada vez mais deteriorada, fica difícil justificar a destinação de montanhas de dólares à Ucrânia, uma nação que a maioria dos norte-americanos nem sequer sabe onde fica. Entretanto, o governo Biden não apenas desencadeou a guerra por procuração contra a Rússia, usando os ucranianos como bucha de canhão, como arrastou a Europa para um conflito extremamente caro, fadado ao insucesso e com potencial de escalar até um embate nuclear.  

No caso de Israel, o suprimento de dinheiro e os armamentos usados na dizimação da população palestina fez cair a máscara da hipocrisia e da sanha imperialista estadunidense perante o Sul Global. Sintomaticamente, até mesmo um elevado contingente de eleitores democratas se recusou a apoiar as políticas do genocidal Joe — e, por consequência, decidiram não votar na risonha e confusa Kamala.

Ao lançar a sua campanha, no início deste ano, Trump garantiu que promoveria uma verdadeira revolução nas políticas doméstica e externa. Assegurou que evitaria a Terceira Guerra Mundial, cada vez mais próxima em decorrência do projeto liberal globalizante dos democratas. Prometeu pôr fim às hostilidades em todas as frentes e exercer uma liderança para a paz. Para tanto, afirmou que promoveria o desmantelamento dos nichos de poder dos neoconservadores, atarraxados nos aparelhos estatais. Esse deep state, segundo ele, é a força invisível que move os Estados Unidos para as guerras sem fim pelo mundo, sob o disfarce da luta pela liberdade e pela democracia. Ainda, garantiu repensar a estrutura e as funções da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), assim como as relações comerciais com a Europa. Sem isso, de acordo com Trump, não será possível resgatar a democracia e revitalizar a economia nacional. America First!  

A maioria dos eleitores acreditou nessas propostas. Na prática, o povo trocou seis por meia dúzia. Ingenuamente, os estadunidenses acreditam que o voluntarismo de um presidente é capaz de mudar o movimento de toda a engrenagem estatal e dos interesses econômicos dos Estados Unidos. Mesmo que quisesse — e ele não quer —, Trump não seria capaz de revolucionar a política do país e romper o status quo. Outra ingenuidade, renovada a cada eleição, é a de que existe bipartidarismo de fato e que, portanto, a rotatividade no poder acarretará mudanças substantivas na agenda política, principalmente nas relações externas. 

Diferentemente dos democratas, Trump considera que os Estados Unidos não devem desperdiçar recursos num confronto indireto (ou direto) com a Rússia para, no longo prazo, conter a China. Ele pretende se concentrar, desde já, no gigante asiático e, em segundo lugar, no Irã, que lidera o eixo de resistência ao controle do Oriente Médio pelos norte-americanos por intermédio de Israel. Basta conferir os indicados para as pastas principais do seu governo para perceber que todos são ávidos por guerra e intervenções. Trump é uma trampa!

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.