“Direitos são usualmente descritos como invioláveis, peremptórios e conclusivos. Mas isso é mero floreio retórico. Nada que custe dinheiro pode ser absoluto.”
Stephen Holmes e Cass Sunstein. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York, WW Norton & Company, 2000, pág. 97 (tradução livre).
Durante bastante tempo, prevaleceu no Brasil a interpretação de que o direito fundamental à saúde, constitucionalmente protegido, seria absoluto em todos os seus termos e repercussões. Desta feita, havendo a prescrição por profissional médico de determinado procedimento ou medicamento e a impossibilidade de seu custeio pelo paciente e/ou por sua família, independentemente de custo, bastaria que seu advogado desse entrada num processo para, na maioria das vezes, obter-se uma decisão judicial, condenando o Poder Público a compulsoriamente custear o referido tratamento. Essas demandas foram ampliadas, ainda, para inclusive englobar tratamentos e medicações experimentais, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tampouco evidências científicas — e/ou com custo extremamente elevado.
Disseminou-se, por todo o País, a ideia de que seria o Judiciário o local adequado para essas situações e uma aparente garantia de vitória, frente a julgadores a lidar com o peso de negar ou conceder benefícios relacionados à manutenção da saúde (quiçá da vida) de outras pessoas. Se, por um lado, havia a crescente demanda dos cidadãos pelo custeio público da saúde, por outro, multiplicavam-se complexas questões sanitárias, orçamentárias e de planejamento. O embate por anos se arrastou nas mais diversas camadas do Judiciário brasileiro, confrontando interesses individuais e coletivos, em difíceis questões jurídicas e morais, solucionadas de forma difusa, divergente e insegura.
Em 20 de setembro de 2024, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 566471, com repercussão geral, pelo qual definiu parâmetros (a serem observados por todo o Judiciário) para a concessão judicial de medicamentos registrados na Anvisa, mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente do custo, desde que apoiadas em avaliações técnicas à luz da medicina baseada em evidências. Em regra, ficou estabelecido que a ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do SUS (Rename, Resme, Remume, entre outras) impede o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.
Excepcionalmente, seria admitida a concessão judicial de medicamento registrado na Anvisa, mas não incorporado às listas de dispensação do SUS, desde que o paciente provasse preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sitema Único de Saúde (Conitec), ausência de pedido de incorporação ou demora na sua apreciação; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovações, à luz da medicina baseada em evidências, de eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo, inclusive, o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
Como resultado, tendo por fundamentos a escassez de recursos e de eficiência das políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde e o respeito à expertise técnica e à medicina baseada em evidências, o STF, ao mesmo tempo que impôs aos demais membros do Poder Judiciário rígidos limites à concessão do fornecimento de medicamentos a serem custeados pela administração pública, pôs um freio à judicialização da saúde pública e aos seus impactos, especialmente os de natureza orçamentária.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.