Artigo

Uma notável estabilidade

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

Tipos penais criados por interpretação analógica do texto constitucional. Critérios subjetivos para a demarcação de terras indígenas e para a destinação de resíduos sólidos. Inquéritos penais abertos de ofício. Definições detalhadas sobre as políticas prisionais, sem que haja texto anterior do Congresso sobre o assunto. Audiências para propor acordos envolvendo normas alegadamente inconstitucionais. Esses são alguns exemplos de comportamentos peculiares adotados pelo Poder Judiciário nos últimos anos.

Frequentemente, vê-se, nas mais diversas arenas de discussão, queixas sobre uma suposta atuação ativista e contramajoritária das instituições, de freios e contrapesos, em particular quanto à atuação do Judiciário, mais especificamente em relação aos que decidem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma individual ou colegiada. Inegável haver, ao longo do tempo, um grande conjunto de casos que ilustraria (quiçá justificaria) tais afirmações.

No entanto, será que isso corresponde, de maneira concreta, ao que pode ser observado comparativamente no longo prazo? Não. Diversos estudos empíricos, dentre os quais o Índice de Governabilidade (I-GOV) — produzido pela empresa de gerenciamento de dados 4i, em parceria com os cientistas políticos Humberto Dantas, Joyce Luz e José Mário Wanderley Gomes —, apontam, ao longo da série temporal entre 1989 e 2024, para uma notável estabilidade das decisões do STF, predominantemente em favor dos interesses do Poder Executivo federal, com algumas oscilações verificadas no período.

Com exceção do governo Bolsonaro, que partiu para o enfrentamento direto do Tribunal e para o confronto quanto à realização de agendas sabidamente contrárias aos termos da Constituição Federal, os demais governantes vivenciaram muito mais vitórias que derrotas nos temas de suas agendas, submetidos à revisão no ambiente judicial.

Como explicar os pontos fora da curva? Como fundamentar as situações em que o STF efetivamente foi ativista, muitas vezes criando normas novas a partir de suas técnicas de interpretação constitucional? Seletividade é a palavra que nos ajuda a entender essas relevantes e excepcionais circunstâncias. A depender de contextos sociais e da aceitação popular, assim como dos custos decisórios envolvidos em cada questão controvertida, os ministros do Tribunal, individual ou coletivamente, escolhem precisamente quando agir de tal maneira, em especial formando maiorias temporárias e precárias, caso a caso.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.