Anemia produtiva

11 de outubro de 2022

Ao longo de 2022, a Problemas Brasileiros vem analisando questões estruturais que o País precisa sanar para retomar o crescimento econômico. À parte de ideologias, lidar com precariedades históricas, acentuadas nos últimos anos, será o desafio de todos os eleitos.

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“A capacidade de um país elevar a sua qualidade de vida depende quase inteiramente da sua capacidade de aumentar a produção por trabalhador”. A frase, dita em 1994 por Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia em 2008, nunca esteve tão atual.

No Brasil, a discussão tem ganhado relevância, com especialistas considerando que o crescimento econômico e o aumento da renda per capita dependem da elevação da produtividade – tema de capa da edição #472 (out/nov) da Problemas Brasileiros.

Todos os setores da economia brasileira têm baixa produtividade. No setor de serviços, por exemplo – o maior empregador do País e responsável por cerca de 70% das horas trabalhadas –, a eficiência produtiva está estagnada há pelo menos três décadas: saiu de R$ 33,50, em 1995, para R$ 37, no ano passado. Só o agronegócio apresentou crescimento robusto no mesmo período. Em 2021, um funcionário do agro produzia R$ 18,60 por hora laboral. Em 1995, eram R$ 4,30. Os dados são do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

A baixa produtividade coloca o Brasil em desvantagem competitiva em relação ao restante do mundo. Para se ter uma ideia, na década de 1980, o trabalhador brasileiro tinha 46,1% do rendimento de um norte-americano. Em 2021, último dado disponível, este patamar foi de 25,5%. Na comparação com um profissional da Europa, a produtividade do trabalhador brasileiro representa um terço. Os números são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Um processo contínuo de melhoria na qualidade da educação e na qualificação profissional seria o pontapé inicial para o Brasil reverter este quadro de estagnação, além do investimento em inovação, em um mundo cada vez mais digital, avalia o professor José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho (CERT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

“A evolução do trabalho, no Brasil, é muito baixa. Apesar da expansão da escolaridade desde a década de 1990, a produtividade não cresceu, diferentemente de outros países, como a China, onde a elevação da escolaridade contribuiu para um aumento significativo da produtividade”, comenta Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre.

O cenário exige desenvoltura do setor empresarial. Alguns segmentos estão mostrando que dá para fazer mais com menos. A matéria mostra exemplos de empresas que foram capazes de reverter os baixos índicespor meio de parcerias com o terceiro setor ou por investimentos próprios.

Este estado de apatia, na visão do escritor Alex Hochuli, é replicado em outros países. Em entrevista, ele explica o conceito que cunhou como a “brasilianização do mundo”. Na opinião de Hochuli, em qualquer lugar do planeta que se olhe há uma face inequívoca de Brasil. Isso significa, para o mundo, conviver com a precariedade do trabalho, uma desigualdade social latente, a corrupção estrutural do Estado e uma elite que abandonou o povo à própria sorte.

“Hoje, o Brasil despreza o seu passado sem ter uma noção do seu futuro. Isso é muito relevante, tratando-se da nação que sempre foi vista em termos das suas possibilidades de futuro. Esta sensação de ser moderno, mas não suficientemente moderno, tão brasileira, agora, é uma experiência do resto do mundo”, diz. A entrevista também está disponível no podcast da PB. Ouça aqui.

MAR DE DÍVIDAS

Outro indicativo de quão incisivos se tornaram os problemas socioeconômicos por aqui é o número jamais visto de famílias endividadas e pessoas inadimplentes. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), em agosto, eram quase 8 em cada 10 famílias (79%) nesta situação, maior patamar da série histórica da entidade, iniciada em janeiro de 2010. Em São Paulo, principal metrópole brasileira, o contexto foi semelhante: no mesmo mês estudado, 76,6% das famílias tinham dívidas – um recorde dentro da série histórica da FecomercioSP, que iniciou a pesquisa em janeiro de 2004.

Para além do aspecto noticioso, ouvimos economistas a respeito da condição do indicador de representar a difícil conjuntura econômica brasileira atual ou indicar um sinal de retomada do consumo das famílias. O endividamento cresceu justamente quando a renda vinha diminuindo, lembra o economista Fábio Pina, assessor técnico da FecomercioSP. O lado positivo é que, apesar do endividamento contraído, a taxa de desemprego começou a cair, o que acabou permitindo que os lares recuperassem uma forma de gerar renda antes do endividamento se tornar inadimplência. “Em tese, este fato mitiga o risco de inadimplência”, avalia Pina. Ele adverte, no entanto, que é preciso observar se o processo de recuperação do emprego será perene. “Se não for, aumenta-se o risco de elevação do grau de inadimplência.”

Assunto amplamente discutido em âmbito global, a transição energética também ganha as páginas da revista. Na apuração, mostramos que o Brasil tem tudo para liderar este movimento. As oportunidades de conduzir essa transição estão no potencial hídrico e em outras vias que podem ser aproveitadas, como a solar.

A edição #472 traz ainda artigos exclusivos sobre ciência, política e economia, com destaque para o resultado das eleições legislativas e majoritárias. Os textos foram produzidos por Bárbara Dias, Graziella Testa, Humberto Dantas, Helga Almeida, José Mário Wanderley Gomes e Paulo Peres. Eles formam o grupo de cientistas políticos que contribui semanalmente para o site da PB.

DIVERSÃO E ARTE

A quase um mês do início de mais uma Copa do Mundo, visitamos a exposição 22 em campo, no Museu do Futebol, em São Paulo. A mostra explora as relações entre o movimento modernista e o esporte mais popular do País.

Por fim, reservamos espaço para celebrar a obra, as ideias e o legado do mineiro Darcy Ribeiro, morto em 1997. Em 26 de outubro, ele completaria cem anos. Como antropólogo, cientista político, educador, ensaísta, historiador, romancista e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), obteve reconhecimento internacional. Recebeu oito títulos de doutor honoris causa, incluindo um da Sorbonne, e suas obras foram traduzidas para diversas línguas.

A PB é uma realização da FecomercioSP, com distribuição dirigida a empresas associadas da Entidade, a universidades e escolas, ao Poder Público e aos representantes do terceiro setor.

A VERSÃO DIGITAL DA PUBLICAÇÃO ESTÁ DISPONÍVEL NAS BANCAS DIGITAIS BANCAH E REVISTARIAS.

Redação PB Paula Seco
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