ESG

Sensibilidade para agir

12 de dezembro de 2022

O Brasil está entre os 20 países mais generosos entre 119 nações. Contudo, apesar de ter subido 47 posições em comparação à edição anterior do estudo World Giving Index 2022, o volume de doações vem caindo expressivamente no pós-pandemia. Entidades do terceiro setor se queixam da legislação restritiva, mas apostam em novos projetos engajados nos princípios ESG.

À

Às organizações de assistência social, o ano de 2022 reservou duas notícias: uma boa e outra não tão agradável. O fato positivo veio do relatório anual World Giving Index, publicado pela Charities Aid Foundation, que mede o grau de generosidade das nações, com dados sobre o volume e a destinação de doações em 119 países em 2021. Com um salto surpreendente, o Brasil saiu da 54ª posição, na edição anterior, para a 18ª colocação, o que ilustra um forte sentimento coletivo de solidariedade durante a crise sanitária.

A constatação mais expressiva foi observada na categoria “ajuda a um desconhecido”, na qual o País subiu da 36ª posição, em 2020, para o 11º lugar, em 2021. Já o indicativo preocupante veio da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que mediu os aportes destinados ao combate à covid-19: em setembro, as doações fecharam em R$ 7,164 milhões – referentes a 2020. Apesar dos valores deste ano ainda não estarem contabilizados, a estimativa é de que não alcancem um sétimo do montante arrecadado nos dois anos críticos da pandemia. Fato desanimador, mas já esperado para João Paulo Vergueiro, diretor-executivo da associação. “A queda no volume é uma reação natural. As pessoas se solidarizam mais em momentos de tragédia. Agora, trabalhamos para que parte das doações novas, as quais vieram pela emergência, se torne recorrente.”

Vergueiro projeta um campo aberto para iniciativas filantrópicas inovadoras graças às 815 mil organizações sociais ativas, mas nota um descaso por parte dos governos e, até mesmo, de outros setores da sociedade. “Produzimos poucas pesquisas, temos poucos dados do setor, e este não é reconhecido como econômico pela própria sociedade”, lamenta. Há ainda, diz, uma legislação arcaica e cruel, que não estimula as doações por parte de pessoas físicas e outros agentes.

A principal queixa é quanto à tributação imposta pelo Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD), que não estabelece diferença entre a doação privada para pessoas vivas e a doação filantrópica para projetos de comprovado interesse público gerido por fundações ou institutos. Por se tratar de um imposto estadual, a alíquota varia conforme o Estado. Nos casos do Rio de Janeiro, Pernambuco, Santa Catarina, por exemplo, fica entre 2% e 8%. Uma pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Direito) mostra que, dentre 75 países, apenas o Brasil, a Croácia e a Coreia do Sul tributam as doações filantrópicas da mesma forma que as doações privadas.

No Reino Unido, desde 1842 há legislação específica que permite dedução do Imposto de Renda (IR) para doações de pessoas físicas. Uma lei semelhante foi promulgada nos Estados Unidos em 1917, o que contribuiu para que o país desenvolvesse uma cultura da filantropia. No Brasil, o caso mais relevante é do empresário Elie Horn, fundador da construtora Cyrela, que já doou 60% de seu patrimônio, estimado em US$ 1 bilhão, para causas sociais.

Por sua vez, as empresas enfrentam bloqueios. Aqui, só podem ser deduzidas doações a instituições de ensino e pesquisa até o limite de 1,5% do lucro operacional; para Organizações Não Governamentais (ONGs), até o limite de 2%; Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), também até 2% do lucro operacional – e em determinados projetos culturais estatais. As doações são previstas apenas às empresas que apuram o IR no lucro real, não sendo permitidas para as tributadas pelo lucro presumido, arbitrado ou Simples. A corrida das companhias brasileiras para se adaptarem aos princípios ESG (ambiental, social e de governança) tende a acelerar uma nova cultura de doações, afirma o diretor executivo da ABCR.

 Até a chegada da crise sanitária, havia um crescente interesse do empresariado em investimentos sociais, conforme atesta o Censo GIFE 2020, realizado pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), fundado em 1989. Dois anos atrás, houve um aporte de R$ 5,3 bilhões em causas sociais, alta de 71% em relação a 2019, mas com o detalhe de que R$ 2,3 bilhões foram especificamente destinados a ações de combate à covid-19.  Os números preliminares sobre 2021 indicam um volume na faixa de R$ 4,2 bilhões.

A sobrevivência do Gife por mais de três décadas, segundo Cássio França, secretário-geral da entidade, é o suficiente para selar o interesse do setor empresarial pelas causas sociais, mas prevalece uma visão antiga sobre o papel da filantropia “que precisa ser superada, cedendo lugar a uma filantropia comprometida com o fortalecimento da democracia, por meio da redução das desigualdades, da promoção da equidade social e do fortalecimento da sociedade civil”.

Criado com o intuito de prestar consultoria a famílias com projetos filantrópicos, o Instituto para o Desenvolvimento Social (Idis) ampliou os serviços e passou a desenvolver projetos estruturantes visando à formação de redes colaborativas de acordo com a vocação e as demandas de cada região. Com base no conceito de filantropia comunitária, foi estruturado o projeto Transformando Territórios, ainda em fase inicial, que já identificou pólos de atuação em oito Estados.

“É um modelo comum nos Estados Unidos e na Europa. Estabelece-se um olhar para territórios específicos onde organizações daquele local – sejam institutos, sejam fundações – fazem o mapeamento e criam um planejamento. Depois, identificam as prioridades e os agentes locais, criando redes, captando recursos e distribuindo para entidades no entorno, o que gera um impacto positivo para a comunidade”, explica Marcos Alexandre Manoel, diretor de Projetos do Idis.

O município de Valinhos (SP) faz parte do Transformando Territórios, por meio de parceria com o Fórum das Entidades Assistenciais de Valinhos (Feav), que agrega 11 instituições locais nas áreas de Saúde, Social e Educação. “Desenvolvemos em conjunto um cursinho preparatório para estudantes de escolas públicas dispostos a disputar vagas nas instituições técnicas da região”, detalha Eliane Macari, diretora da Feav. Nos picos da pandemia, o fórum mobilizou a distribuição de 50 toneladas de alimentos a associações locais, como a Casa de Criança de Valinhos, que atende 250 crianças entre 1 e 17 anos.

“Há uma visão de filantropia que precisa ser superada, dando lugar a uma filantropia comprometida com o fortalecimento da democracia.” CÁSSIO FRANÇA, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife)

MAIS DO QUE CARIDADE

Bom exemplo de uma transformação estrutural é o projeto Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida), em operação desde agosto na Favela Marte, uma área de 43 mil metros quadrados ocupada desde 2013 e situada às margens de uma ferrovia abandonada, no município de São José do Rio Preto (SP). O projeto foi desenvolvido pela ONG Gerando Falcões em parceria com o Instituto Valquírias World e conta com engajamento da prefeitura, do Governo do Estado de São Paulo e de grandes corporações privadas, como o Bradesco, Accenture e as operadoras Vivo e TIM. No fim de junho, um grupo de empresários – dentre os quais o bilionário Jorge Paulo Lemann, Guilherme Benchimol, Otto Baumgart e Ana Maria Diniz – esteve na favela para conhecer o projeto e conversar com moradores.

Após a visita, a área começou a ser urbanizada, e as 240 famílias foram transferidas pela prefeitura para moradias dignas na área urbana, onde permanecerão, no máximo, até o começo de 2024. Segundo o líder comunitário Benvindo Nery, o projeto não se trata de um gesto de mera caridade. “A Gerando Falcões está custeando o aluguel provisório e ajudando nas despesas de imposto, água e luz até R$ 100 mensais. Quando voltarmos para a Favela Marte, cada família pagará parcelas de 20% de sua renda por 30 anos pela compra das casas próprias”, conta.

No total, o Projeto Favela 3D envolve cerca de R$ 58 milhões, compartilhados entre R$ 28 milhões do governo estadual, responsável, via Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), pela construção de 239 casas de 42 metros quadrados; R$ 15 milhões da Prefeitura de São José do Rio Preto, que fará a urbanização da área (água, luz, esgoto e pavimentação); e R$ 15 milhões captados pela Gerando Falcões, em parcerias com a iniciativa privada. Quando totalmente urbanizada, a área terá quadras de esporte, duas piscinas, seis espaços comerciais – que abrigarão cooperativa de reciclagem, cooperativa têxtil, banco próprio e sala de cultura – e um galpão para capacitação digital dos moradores.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #473 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Guilherme Meirelles Maria Fernanda Gama
Guilherme Meirelles Maria Fernanda Gama