A sustentabilidade da Previdência Social é um dos desafios mais urgentes do Brasil. O aumento das despesas, o envelhecimento acelerado da população, a queda no número de contribuintes e a crescente informalidade do mercado de trabalho compõem um cenário preocupante para as próximas décadas. Diversos dados econômicos, demográficos e estruturais apontam que o atual modelo previdenciário está cada vez mais distante da capacidade orçamentária do País. Esse cenário deve acumular mais déficits, pressionar as contas públicas e comprometer o equilíbrio fiscal.
O assunto foi debatido no Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) em reunião que teve como convidado o ex-ministro da Previdência Social, José Cechin. Confira, a seguir, os principais fatos que comprovam a necessidade de uma reforma abrangente para garantir a viabilidade financeira e social da Previdência brasileira. Os aspectos foram levantados por Cechin; o economista Antonio Lanzana, presidente do conselho e o sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação.
As despesas com o Regime Geral de Previdência Social cresceram de 4,9% para 8% do PIB entre 1997 e 2025, em um ritmo muito superior ao do crescimento econômico do País. esse mesmo intervalo, o déficit do sistema saltou de 0,3% para 2,6% do PIB. Mesmo com o alívio temporário proporcionado pela reforma previdenciária de 2019, se nada for feito, as projeções indicam que esse déficit pode chegar a 5,9% do PIB em 2060 e a 10,4% em 2100.
A mudança no perfil demográfico brasileiro é um fator central para os desafios da Previdência. A população com 65 anos ou mais cresceu 264% desde 1987 e, atualmente, representa 11% do total da população, com previsão de atingir 37% em 2027. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida está em ascensão, devendo alcançar 82 anos em 2060, o que prolonga o período de recebimento de benefícios. Soma-se a isso a forte queda da taxa de fecundidade, que passou de seis filhos por mulher na década de 1970 para apenas 1,6 atualmente, reduzindo significativamente o número de jovens que entram no mercado de trabalho.
Entre 2025 e 2070, espera-se que a população de 0 a 18 anos encolha 42%, e a faixa em idade ativa para o trabalho diminua em um quarto, indicando um cenário futuro desafiador.
Essa nova configuração populacional acentua a insuficiência de contribuintes para sustentar o sistema. Enquanto a população idosa aumentou de forma acelerada (264% desde 1987), o número de trabalhadores contribuintes cresceu apenas 76% no mesmo período.
Isso fez despencar a relação entre contribuintes e beneficiários: era de 5 para 1 em 1990 e caiu para apenas 1,8 para 1 atualmente. Projeções do Ministério da Previdência apontam que, em 2050, deve haver apenas 1,2 trabalhador para cada aposentado, o que revela a insustentabilidade do modelo vigente.
Ademais, observa-se que o crescimento das aposentadorias por idade (4,4% em um único ano) supera em muito o aumento da população total (0,7%), o que pressiona ainda mais o equilíbrio do sistema previdenciário.
Cerca de 70% dos benefícios previdenciários no Brasil são atrelados ao salário mínimo, que é reajustado anualmente conforme a inflação e o crescimento do PIB. Isso significa que qualquer aumento no valor do salário mínimo tem um impacto significativo nas contas públicas: cada reajuste de R$ 1 no piso nacional representa um acréscimo de R$ 420 milhões nas despesas previdenciárias. Além disso, o modelo atual de financiamento da Previdência, vinculado em grande parte ao emprego formal, vem se mostrando cada vez mais insustentável. Esse cenário pressiona ainda mais o orçamento público e reduz a capacidade do Estado de investir em outras áreas essenciais.
A aposentadoria rural exerce grande pressão sobre o sistema previdenciário brasileiro. Embora represente um quarto da arrecadação, ela responde por quase 60% do déficit da Previdência, em grande parte porque apenas 5% dos trabalhadores rurais contribuem regularmente para o sistema. Em 2024, por exemplo, enquanto a arrecadação proveniente do setor rural foi de aproximadamente R$ 10 bilhões, os gastos com benefícios rurais alcançaram quase R$ 200 bilhões.
Mais de 40% dos trabalhadores brasileiros atuam fora da formalidade, o que representa um grande desafio para a sustentabilidade da Previdência. Com o avanço das tecnologias e o surgimento de novas formas de trabalho, especialmente as modalidades autônomas e digitais, muitos profissionais acabam não contribuindo para o sistema previdenciário, o que agrava ainda mais o déficit.
No caso dos trabalhadores por aplicativos, por exemplo, apenas 35% realizam contribuições à Previdência, reduzindo ainda mais a base de arrecadação e ampliando o desequilíbrio financeiro do sistema.
A inadimplência entre autônomos e microempreendedores individuais (MEIs) também representa um grande problema para a Previdência. A contribuição desse grupo é insuficiente, com altos índices de inadimplência e, mesmo para aqueles que contribuem regularmente, o valor arrecadado normalmente não é suficiente para garantir o pagamento de um salário mínimo na aposentadoria.
Além disso, o auxílio-doença concedido pelo INSS tem registrado crescimento expressivo nos últimos anos, com aumento de cerca de 10% e beneficiando aproximadamente 1,6 milhão de pessoas. Esse avanço supera em muito o crescimento do mercado de trabalho formal, o que exige uma gestão ainda mais eficiente para evitar novos desequilíbrios no sistema.