Em meio a um cenário global de incertezas, exacerbado pelos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio e pela possibilidade de uma escalada de tensões envolvendo Taiwan e a China, o Brasil lida com questões econômicas estruturais. As dificuldades internas, como o estancamento da produtividade e uma situação fiscal preocupante, são agravadas pela complexidade geopolítica internacional, que inclui a reconfiguração das cadeias de suprimentos globais e a crescente polarização política nos Estados Unidos.
Ainda assim, o País tem, historicamente, demonstrado flexibilidade em momentos de crise. Essa é a análise do economista Maílson da Nóbrega — que também foi ministro da Fazenda no governo José Sarney —, que destacou as perspectivas da economia nacional durante a reunião plenária das diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
A capacidade de o governo liderar reformas estruturais, segundo Nóbrega, será essencial para garantir o crescimento sustentável do País nos próximos anos. “A economia brasileira, se guiada com prudência, pode não apenas resistir às turbulências, mas também emergir mais forte”, apontou o ex-ministro.
Desafios globais e o impacto sobre o Brasil
A guerra na Ucrânia e as tensões no Oriente Médio pressionam o sistema econômico mundial, com riscos de um conflito global. Além disso, uma possível invasão de Taiwan pela China geraria sérias consequências para a economia do planeta, prejudicando ainda mais as já fragilizadas redes de suprimentos. Em resposta, observam-se movimentos de reshoring (retorno de produção para os países de origem), nearshoring (relocação de produção para locais mais próximos) e friendshoring (produção em países parceiros) — que, se mal conduzidos, podem afetar os níveis de produtividade e crescimento econômico mundiais.
Nesse contexto de realocação das cadeias globais de valor, o Brasil também sentirá os impactos, e caso não avance na agenda de reforças estruturais que permitam a sua entrada nessas cadeias, ficará para trás.
Estagnação da produtividade e rigidez fiscal
Internamente, a produtividade nacional segue praticamente estagnada há quatro décadas. O governo, de acordo com a análise apresentada por Nóbrega, parece acreditar erroneamente que o crescimento econômico pode ser impulsionado por meio do aumento do gasto público e da expansão do consumo. “No entanto, sem reformas estruturais, e a redução da rigidez orçamentária, a economia brasileira pode entrar em um ciclo de estagnação”, ponderou o economista.
Segundo a análise de Nóbrega para 2024, seis itens – Previdência, pessoal, educação, saúde, gastos sociais e investimentos – representarão 96% das despesas primárias da União. Sem reformas e mais flexibilidade na alocação de recursos, a dívida pública poderá chegar a 85% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2027, um patamar muito acima da média dos países emergentes, que é de 57%.
A situação fiscal delicada coloca o País à beira de uma crise de dívida pública, que poderá desencadear uma crise financeira, de acordo com a análise do ex-ministro. Com a possibilidade de “dominância fiscal”, em que as políticas monetária e fiscal entram em choque, o Brasil corre o risco de enfrentar um “momento Minsky”, quando uma crise financeira se torna inevitável em razão do acúmulo de fragilidades econômicas. Nesse contexto, Nóbrega ponderou que a má condução da política fiscal pode agravar ainda mais a percepção de instabilidade.
“A necessidade de reformas, portanto, é imperativa. A Tributária, embora complexa e com alíquotas não compatíveis com a situação nacional, surge como uma solução viável para melhorar a produtividade e a competitividade do Brasil no cenário global”, afirmou.
Resiliência e potencial nacional
Nóbrega acredita que o País conta com um setor empresarial resiliente, especialmente no agronegócio e na mineração, que continuam a competir mundialmente. “O sistema financeiro sólido, bem capitalizado e com contas externas saudáveis posiciona a Nação como um credor internacional líquido, o que o diferencia de muitas economias emergentes”, ressaltou o economista.
Além disso, ele enxerga ainda um potencial para superação. “Crises anteriores, como as de 1964, 1994 e 2016, propiciaram momentos de reformas e ajustes estruturais que trouxeram estabilidade a longo prazo. A atual crise pode ser mais um desses momentos — dependendo, contudo, de uma liderança política eficaz para implementar as mudanças necessárias”, concluiu.