Trabalho precisa chegar aos mais pobres

18 de setembro de 2024

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Como abrandar o abismo social que caracteriza o Brasil? Dentre as diversas respostas possíveis a essa pergunta, os pesquisadores Ricardo Paes de Barros e Laura Machado, ambos do Insper, em São Paulo, entendem que uma das soluções mais eficientes seria atacar uma parcela da população brasileira que, embora tenha rendimentos mensais baixíssimos (menos de R$ 300 per capita), não está incluída no mercado de trabalho como gostariam — e deveriam. De acordo com eles, há como fazer isso por meio de uma “inclusão produtiva”.

Barros e Laura apresentaram alguns resultados dos estudos que estão produzindo sobre esse tema na reunião da Frente Empresarial de Modernização do Estado, do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio de Bes, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), no início de setembro. “O ponto principal é que o País precisa gerar mais prosperidade, mas não é o suficiente. Uma vez que essa bonança aconteça, deve ser compartilhada”, disse Laura, que coordena os cursos de Gestão Pública do Insper e esteve à frente da Secretaria de Desenvolvimento Social de São Paulo por sete meses em 2022.

“Há uma parte desse processo que é puramente econômico: o crescimento. Isso depende de uma boa política do gênero, mas também da ‘mão invisível’ do mercado. O papel do Estado também é vital, elaborando políticas de trabalho e renda que façam a função de ligar as pessoas pobres que querem trabalhar às oportunidades geradas pela economia”, prosseguiu Barros, que coordena a cátedra Instituto Ayrton Senna da instituição.

Durante a reunião, o presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política, Antonio Lanzana, levantou uma discussão sobre como o modelo considera o gargalo da qualificação, em uma conjuntura na qual, segundo ele, parte do empresariado aponta dificuldades para contratar até mesmo profissionais de baixa qualificação. De acordo com Paes de Barros, a resposta está tanto em avaliações caso a caso — o que não costuma ser a praxe das relações trabalhistas nacionais — como em uma nova abordagem no processo de seleção. “Considerando o contexto que vivemos, o desenvolvimento dessas competências pode ser feito depois da conexão [entre empresa e empregado]. Se essa pessoa já tem um conjunto de competências socioemocionais, e quer trabalhar, então, esta é uma etapa já superada para que a contratação aconteça”, disse. “Até porque nosso modelo é baseado na confiança entre seres humanos. Isso significa que é preciso existir uma crença de base de que as pessoas envolvidas tenham competências compartilhadas”, finalizou.

Pobreza extrema

No diagnóstico do pesquisador, há, antes de tudo, um problema constitucional: um grupo relativamente grande de brasileiros trabalha menos do que poderia e gostaria ou então está desempregado, mas procurando se inserir no mercado. Considerando que a Constituição prevê o direito social ao trabalho, trata-se de pessoas que não estão acessando esse dispositivo da lei.

Os estudos que ele e Laura realizam no Insper funcionam como um filtro disso. Hoje, 7,7% da população do País têm rendimentos mensais abaixo de R$ 300 (per capita) e, portanto, estão em situação de extrema vulnerabilidade econômica. Em números absolutos, trata-se de um grupo de 16 milhões de pessoas pobres que, se fossem atendidas por programas de transferência de renda, custariam cerca de R$ 25 bilhões em recursos públicos. Nesse segmento, há 3,8 milhões de cidadãos economicamente ativos (trabalham menos ou querem trabalhar), dos quais em torno de 2,5 milhões estão subutilizados, parcela que seria o foco da proposta. Em outras palavras, quem quer trabalhar está disponível, mas não consegue encontrar uma vaga.

“O cerne do projeto é justamente como dar trabalho a essas pessoas”, explicou Barros, calculando que se esse grupo fosse inserido, de alguma forma, no mercado, a insuficiência de renda seria reduzida em 47%. Isto é, um possível programa de transferência precisaria de um orçamento de R$ 13 bilhões, e não R$ 25 bilhões. “Já seria reduzir metade do problema”, ressaltou o especialista. 

Trabalho e vulnerabilidade social

Mas como ligar esse grupo grande de pessoas ao trabalho? Para Barros e Laura, a resposta passa por dois lados. Um deles está inserido na política econômica do País, que tem alguns meios necessários para aumentar a quantidade de oportunidades de vagas disponíveis e, em paralelo, para elevar a produtividade brasileira. A lógica é que se a economia estiver bem, naturalmente haverá mais empregos e, por consequência, elevação produtiva.

O outro lado abrange um conjunto de políticas em torno do trabalho e da renda, que teria o papel de realizar adaptação de competências dessas pessoas, conectá-las às oportunidades de mão de obra — e, se for o caso, criá-las em estruturas públicas —, eliminar as barreiras sociais que freiam essa relação e, principalmente, garantir condições mínimas de vida em meio a esses processos, uma tarefa que hoje é cumprida pelo Bolsa Família.

“Uma parte disso, a ‘mão invisível’ (ou seja, o mercado) consegue fazer sozinha: produzir, gerar empregos e desenvolver o Brasil. A outra depende de uma ajuda do Estado — criar arranjos produtivos e intermediar a demanda econômica por emprego às pessoas que querem, de fato, trabalhar”, afirmou Laura, citando o exemplo do programa Chile Solidario, implementado no país vizinho em 2002. “Ambas as coisas estão interligadas, porque sem uma economia crescendo não há oportunidades sendo criadas. E sem uma política que as direcione de forma compartilhada, esse crescimento não vai atingir os mais pobres e, então, não afetará a desigualdade”, afirmou Barros. “Em uma metáfora, precisamos de uma locomotiva andando, mas que conecte o vagão dos pobres a ela”, completou o pesquisador.

Vinícius Mendes
Vinícius Mendes