Despertando os sentidos

18 de setembro de 2023

Sabe aquele cheirinho de pão assando quando entramos no supermercado ou de perfume em alguns comércios? Ou, ainda, os preços fracionados anunciados nos cartazes das lojas? São estratégias usadas tradicionalmente por lojistas para atrair clientes e, consequentemente, aumentar as vendas. Isso acontece porque o nosso processo decisório é baseado em dois grandes impulsos: a razão e as emoções.

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As tecnologias sensoriais vêm desempenhando um importante papel na transformação da vivência emocional do cliente — especialmente no cenário pós-covid-19 —, capazes de capturar e engajar os cinco sentidos do consumidor (visão, audição, tato, olfato e paladar) e proporcionar uma experiência mais completa e imersiva.

Dados da Entertainment Media Research mostram que 87% dos consumidores aceitam pagar mais por uma melhor experiência de consumo, enquanto 82% afirmam que músicas e aromas têm o poder de transformar o humor. “Este foco em proporcionar experiências enriquecedoras e personalizadas não faz parte apenas do processo de inovação, como também representa uma vantagem estratégica no mercado, impactando positivamente o desempenho da empresa. Quando uma marca consegue imergir os clientes em experiências únicas, não apenas as chances de fidelização aumentam, como também o boca a boca positivo é encorajado. Clientes encantados retornam e, ainda, se tornam embaixadores da marca, atraindo mais consumidores e reforçando a posição da empresa no mercado”, avalia Kelly Carvalho, assessora econômica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Ela considera que, ao incorporar tecnologias sensoriais nas estratégias de vendas, as empresas, além de enriquecerem a experiência do cliente, criam um cenário mais favorável para decisões de compra, potencializando as vendas. Um cliente verdadeiramente envolvido com toda a vivência que lhe é oferecida tende a explorar mais — e isso, consequentemente, torna mais evidente a possibilidade de concluir uma aquisição. Kelly destaca que as tecnologias sensoriais estão redefinindo a maneira como as empresas interagem com seus clientes, trazendo mudanças profundas e abrangentes para o mundo dos negócios. “Com o avanço da Inteligência Artificial (IA), a implementação de novas tecnologias nas empresas somente tende a crescer.”

Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar) e professor na FIA Business School, ressalta o fato de que os incentivos sensoriais contribuem para que as pessoas se mantenham mais tempo no local de venda. “Há oito anos, fizemos uma pesquisa que mostrava que quanto mais tempo o cliente ficar na loja maior será o tíquete médio.” Ele afirma que essas ações sempre foram exploradas pelo varejo, muitas vezes até de maneira inconsciente. O preço quebrado, por exemplo, é um estímulo sensorial da visão. Um estudo realizado nos Estados Unidos comprova isso. Uma loja vendia batom a US$ 5,99 e o mesmo produto em outra amostra por US$ 6. O resultado é que o produto de US$ 5,99 vendeu 25% mais do que o de valor arredondado. “Supermercados, por exemplo, atraem muito com cheiro de pão quente, que traz sensação de acolhimento”, exemplifica.

O fato é que estímulos específicos, como aromas ou melodias particularmente evocativas, têm o poder de resgatar memórias e sentimentos positivos dos consumidores. Quando essas associações estão alinhadas a uma marca ou produto, isso pode intensificar a percepção de valor, induzindo os clientes a comprar, influenciando-os a investir um valor premium pelo diferencial percebido e, também, a indicar novos clientes. Luiz Sérgio de Souza, professor na Faculdade de Tecnologia (Fatec) Carapicuíba, do Centro Paula Souza (CPS), explica que o principal objetivo da vivência sensorial é melhorar a experiência do cliente ou do usuário, tornando-a mais personalizada e envolvente. Isso estimula maior fidelidade à marca e amplia a taxa de conversão de vendas, aumentando o tíquete médio.

A adoção de tecnologias sensoriais não significa, necessariamente, a exigência no investimento de altos valores. “O princípio básico é que a implementação dessas ferramentas deve estar alinhada à estratégia do negócio e às necessidades reais dos clientes. Existem abordagens que podem permitir a adoção gradual e eficiente desses dispositivos sem despender recursos muito altos”, afirma Souza. Ele ensina a começar aos poucos e, em vez de implementar uma solução completa desde o início, iniciar com um piloto em uma área específica do negócio. Isso permite testar a eficácia do instrumento em um ambiente controlado antes de escalá-la. Além disso, é importante a empresa identificar as suas prioridades e as áreas nas quais essas tecnologias sensoriais podem ter o maior impacto, aperfeiçoando essa experiência do cliente ou ressaltando a diferenciação da marca — ações importantes para maximizar os benefícios. “Explore parcerias com startups ou empresas que ofereçam soluções tecnológicas. Isso pode permitir o acesso a tecnologias já desenvolvidas e reduzir os custos de desenvolvimento”, complementa.

Por fim, aconselha o professor, conforme as novidades são implementadas, é importante coletar feedback dos clientes e monitorar os resultados. Isso permitirá ajustes e melhorias contínuas sem comprometer recursos em soluções que não atendam às expectativas.

“Explore parcerias com startups ou empresas que ofereçam soluções tecnológicas. Isso pode permitir o acesso a ferramentas já desenvolvidas que reduzem os custos de desenvolvimento.” Luiz Sérgio de Souza, professor na Faculdade de Tecnologia (Fatec) Carapicuíba, do Centro Paula Souza (CPS)

Novidades no ar

Na busca pela melhor experiência do consumidor, empresas estão desenvolvendo tecnologias variadas para cativá-lo e, consequentemente, aumentar o faturamento. Uma dessas empresas é a goiana Skyline Inovação e Produção, que cria soluções digitais para impulsionar vendas no mercado imobiliário. A firma desenvolveu, por exemplo, a Sala Interativa, que busca destacar a experiência sensorial do comprador como instrumento no processo de aquisição de um empreendimento. A solução consiste, basicamente, numa sala de imersão equipada com confortáveis poltronas e uma tela touchscreen de onde partem os comandos para um projetor com qualidade de som e imagens de cinema. Ao dispor de tecnologia de última geração e projeções panorâmicas, a sala permite apresentar os detalhes do imóvel ao potencial comprador, como sol nascente e poente, além de mapear toda a vizinhança do empreendimento, entre outras funcionalidades. Maquetes virtuais e até apartamento decorado online complementam as práticas sensoriais das pessoas que desejam comprar um imóvel e reduzem os gastos das construtoras com esses itens nos lançamentos.

A Basf, por sua vez, lançou o B-Scent, aparelho que libera no ar um perfume da escolha do cliente, comandado a partir de um aplicativo que exala a essência sem deixar resíduos no aparelho, no ar ou no usuário, possibilitando a experimentação de diversos aromas em sequência sem que um interfira no outro. No aplicativo, o usuário pode conhecer a fragrância pura, a simulação dela aplicada em algum produto e esse mesmo produto sem o perfume. 

O que tem no mercado

As tecnologias sensoriais são uma fronteira em constante evolução, o que possibilita o aprimoramento da experiência do cliente em múltiplos níveis. Frente ao avanço da IA, essa técnica tende a se aperfeiçoar. Dentre as opções disponíveis no mercado, estão:

– Realidade aumentada (RA): sobrepõe informações digitais, como gráficos e imagens, ao mundo real. Tem aplicabilidade prática para o varejo, na construção civil para visualização de projetos, em medicina para superposição de informações durante cirurgias, ou até mesmo no turismo, para enriquecer experiências.

– Realidade virtual (RV):  cria um ambiente totalmente imersivo em que os usuários podem interagir. Muito usado em jogos, treinamentos e educação.

– Áudio espacial 3D: sons são emitidos em todas as direções, criando uma experiência mais realista, especialmente em conjunto com a RV. Ideal para a criação de ambientes sonoros imersivos, não só em jogos e filmes, mas também em ambientes de treinamento e simulações.

– Assistentes virtuais e chatbots com processamento de linguagem natural: usam procedimentos de linguagem natural para interagir com os usuários, como Alexa, Siri e Google Assistant. São indispensáveis no cenário de e-commerce e atendimento ao cliente, agilizando processos e respondendo a dúvidas em tempo real. As assistentes pessoais vêm se tornando cada vez mais “amigáveis”, de forma a responder a qualquer tipo de pergunta.

– Dispositivos hápticos: fornecem feedback tátil para os usuários mediante vibrações ou movimentos. Encontrados em controles de videogame, simuladores e dispositivos de RV. Para além do entretenimento, a sua aplicação na área da Saúde é promissora — na fisioterapia, por exemplo, pode auxiliar os pacientes nos exercícios de reabilitação.

– Difusores de aroma inteligentes: dispositivos que liberam aromas específicos em determinados momentos, por exemplo, para melhorar o sono ou o foco.

– Olfato digital: equipamentos que podem emitir ou reconhecer odores. Têm grande potencial no branding, no qual marcas buscam criar uma identidade olfativa única. Hotéis, spas e lojas de varejo podem se beneficiar ao criar ambientes que ativem a memória olfativa dos clientes, solidificando a identidade da marca.

“Clientes encantados não apenas retornam, como também se tornam embaixadores da marca, atraindo mais consumidores e reforçando a posição da empresa no mercado.” Kelly Carvalho, assessora econômica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

“Tiro pela culatra”

O professor Felisoni, da Ibevar, alerta que é importante a empresa encontrar um caminho que não faça o cliente ter uma percepção errada da experiência sensorial. “Um estímulo visual muito plural, por exemplo, vai na direção oposta daquilo que se pretende e pode gerar uma seleção adversa. Aliás, os políticos usam muito isso quando dizem que ‘não serão candidatos’”, diz ao explicar que, muitas vezes mesmo sabendo que vão concorrer a cargo no próximo pleito, os políticos preferem dizer que não são porque o estímulo plural pode ter um efeito oposto para a sua imagem. “Quando a pessoa começa a falar que é candidata, atrai tudo aquilo que é contra ela. Pluralidade é contrária daquilo que você pode até achar que é melhor, mas não é”, considera. Ele lembra ainda que a tecnologia também é uma importante aliada no sentido do conhecimento aplicado para decodificar o comportamento do cliente. Atualmente, pessoas ganham dinheiro filmando as pessoas dentro da loja a fim de estudar o comportamento de consumo. “Nas pesquisas que fazemos, usamos mecanismos de IA. Hoje, é possível, a partir das manifestações espontâneas dos consumidores expressas em vídeos e posts, identificar a intenção de compra muito mais do que em questionários, porque são decisões espontâneas”, destaca Felisoni.

Principais impactos das tecnologias para as empresas
– Melhoria da experiência do cliente: ao integrar os sentidos humanos, as empresas são capazes de oferecer experiências mais ricas e personalizadas.
– Estímulo às conversões de vendas: ao permitir experiências táteis, como degustações ou amostras, as empresas incentivam decisões de compra mais rápidas, permitindo aos clientes uma compreensão tangível do valor do produto.
– Diferencial competitivo: em ambientes comerciais altamente competitivos, as tecnologias sensoriais agem como um diferencial. Adotá-las significa proporcionar dimensão de interação que muitos concorrentes podem não oferecer.
– Insights relevantes: tecnologias como realidade virtual ou aumentada podem servir como instrumentos de coleta de dados, revelando detalhes sobre as preferências dos clientes. Essas informações permitem que as empresas ajustem produtos ou estratégias de forma mais responsiva.

Gilmara Santos Débora Faria
Gilmara Santos Débora Faria