Os ditadores estão passando por uma transformação, um processo que Sergei Guriev e Daniel Treisman denominam de “a metamorfose da tirania no século 21”. Hoje, os tiranos já não vestem uniformes militares, nem baseiam seu discurso no medo e na violência explícita. Em vez disso, utilizam retóricas populistas marcadas pela astúcia, pelo autoritarismo disfarçado e por promessas antipolíticas. Assim, suas práticas antidemocráticas vão sendo legitimadas dentro do próprio sistema democrático. Os presidentes Donald Trump (Estados Unidos), Javier Milei (Argentina) e Nayib Bukele (El Salvador) são exemplos desse fenômeno.
Nesse contexto, é impossível ignorar as estratégias discursivas do atual presidente dos Estados Unidos, que, ao longo de sua campanha, utilizou o slogan Make America Great Again. Para Trump, esse lema não era apenas uma promessa de retomada de grandeza, mas a materialização de uma política autoritária em seu país.
Trump utiliza a estratégia do caos — tática semelhante à empregada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil. Essa abordagem consiste em lançar mensagens desorganizadas e múltiplas frentes de ação simultaneamente, criando uma sobrecarga de informações que permite “passar a boiada”, ou “let the cattle pass”, enquanto a sociedade se vê imersa em confusão, incapaz de focar em uma única questão.
Inserido na lógica “caos-boiada” está o discurso sobre a agenda woke equivaler ao caos e a dizimação da ciência baseada em evidências, que seria a boiada. A lógica é muito semelhante à luta que Bolsonaro empreendeu contra o chamado marxismo cultural, uma categoria em que ele enfiava tudo que não gostava.
Especificamente, o termo woke teve sua origem na comunidade afro-americana, nos Estados Unidos, nos anos 1940, e inicialmente significava estar atento às injustiças raciais. Woke é o passado do verbo wake (acordar). O termo fortaleceu-se depois do movimento Black Lives Matter e ganhou espaço dentro da cultura pop, com movimentos e lideranças da extrema direita fazendo oposição a essa agenda woke, que, na prática, é a inclusão da diversidade em filmes, séries e jogos de videogame.
Um exemplo foi a série The Boys — inicialmente popular entre a extrema direita devido ao personagem Homelander, que encarna ideais autoritários —, que se reafirmou como uma sátira crítica à direita norte-americana em sua última temporada. Essa mudança reflete uma tendência em mídias culturais, como videogames. Por exemplo, Assassin’s Creed Shadow e Intergalact foram alvo de críticas e dislikes no YouTube, por protagonizarem um personagem negro e uma mulher, respectivamente. Para a extrema direita, qualquer representação de diversidade é associada ao termo woke e deve ser combatida. Esse fenômeno vai além da incompreensão do conteúdo — esses ataques à diversidade cultural são parte de um movimento maior, que busca deslegitimar pautas progressistas, incluindo a ciência.
Durante o governo Trump, ações relacionadas a direitos LGBTQIA+, diversidade, inclusão e meio ambiente têm sido sistematicamente monitoradas e reprimidas, resultando em um apagão científico nos Estados Unidos. Mais de 8 mil sites de agências do governo norte-americano foram retirados do ar. Além disso, os recursos financeiros destinados a pesquisas e aos profissionais envolvidos, abrangendo remunerações, deslocamentos e participação em eventos científicos, foram suspensos.
Uma das ordens executivas de Trump declarou “a política dos Estados Unidos de reconhecer dois sexos, masculino e feminino”. Com isso, agências de pesquisa que abordam temas de DEI (diversidade, equidade e inclusão), consideradas por ele como promotoras da “ideologia de gênero”, tiveram seus financiamentos cortados. Para tanto, foi criada até uma lista de palavras proibidas, incluindo “feminino”, “dominado por homens”, “mulheres”, “antirracista”, “vítimas”, “historicamente”, “institucional”, “socioeconômico”, entre outras tão absurdas quanto.
Além disso, vários trabalhos, pesquisas, relatórios, artigos científicos, entre outros documentos, foram simplesmente tirados do ar. Trump também retirou o país da Organização Mundial da Saúde e do Acordo de Paris. A revista científica britânica The Lancet, fundada em 1823 e muito respeitada pela comunidade acadêmica, escreveu em um editorial que a intervenção de Trump em instituições de pesquisa levará a um único resultado: “mais pessoas ficarão doentes e mais pessoas morrerão”. Já o British Medical Journal classificou as ações do presidente norte-americano como censura.
No contexto norte-americano, observa-se um padrão semelhante ao já praticado pela extrema direita mundial, porém, com maior gravidade, já que o líder em questão comanda a maior economia global e detém um arsenal de 5.244 ogivas nucleares, exercendo influência decisiva sobre os rumos do planeta.
Que Deus proteja a América.
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