Domingo, enquanto a esquerda e a centro-esquerda colocavam milhares nas ruas em protestos como há muito não se via, eu perguntava a um grupo de amigos: o que mudou nesses últimos tempos para que tanta gente do lado vermelho/rosa da força voltar às ruas, depois de uma década de letargia? Essas mesmas pessoas, e me incluo nessa, que por anos se limitaram ao ativismo de sofá, agora estavam ocupando a Avenida Paulista, a Praça Raul Soares em BH, a Praça da Catedral de Petrolina no sertão de Pernambuco e tantos outros cantos. Fiquei então brincando de levantar algumas hipóteses.
Então fui brincando de levantar algumas hipóteses.
A primeira, e mais óbvia, é que as maiorias no Congresso nunca foram tão antiéticas e tão descaradamente antidemocráticas. A “PEC da Blindagem” deixa claro que accountability não é uma prioridade para eles, o texto prevê que qualquer ação penal contra um parlamentar dependa da autorização de metade de seus pares. É bom lembrar que esse mecanismo foi extinto no passado por causa de casos como o do deputado Hildebrando Pascoal, acusado de esquartejamento com motosserra. Sob essa regra, investigações assim poderiam ser engavetadas na Câmara. Além disso, com a desculpa de “pacificar” o país, deputados tem levado a frente a ideia de anistiar os responsáveis pelos ataques golpistas de 8 de janeiro, que depredaram o Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, tramavam o fim da república e o assassinato de autoridades do executivo e judiciário. Essas duas frentes no Legislativo indignaram a sociedade civil e ativaram as ruas.
Minha segunda hipótese é de que as pessoas estão agora mais satisfeitas com o Governo Lula 3 e isso tem a ver com alguns fatores. A economia cresce, o desemprego cai, o salário mínimo supera a inflação e saímos do Mapa da Fome. No entanto, o ponto de virada na popularidade de Lula, quando sua desaprovação estancou, foi, veio depois dos ataques de Trump ao Brasil a partir de discursos contra nossas instituições e com as maiores tarifas comerciais entre todos os países notificados pelos EUA. Isso tudo para proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro e família e para atacar nossa democracia (que não sucumbiu dessa vez). A resposta de Lula foi ativa e altiva, seguindo a tradição diplomática brasileira. Isso chamou atenção dos brasileiros e gerou um sentimento de “estou com ele”. Além disso, houve a mudança da comunicação do governo, que finalmente se atualizou, se memetizou e tem trazido mais velocidade, jocosidade e movimento para as contas oficiais nas plataformas de mídias sociais.
A terceira hipótese tem a ver com um certo ressurgimento do nacionalismo. Após os ataques de Trump à nossa economia, vimos na manifestação de 21 de setembro as esquerdas tentando resgatar a bandeira como símbolo de amor ao país, depois de anos de apropriação pela direita, que vestia a camisa da CBF mas hasteava a bandeira dos EUA.
Minha quarta hipótese é o fim do derrotismo da esquerda brasileira, depois da condenação de Jair Bolsonaro e militares de alta patente pela tentativa de extinção do estado democrático de direito. Pela primeira vez, pôde-se sentir a Justiça fazendo o seu trabalho em relação àqueles que pretendem que o Brasil seja uma ditadura. É pedagógico: nos últimos 130 anos, foram 15 tentativas de golpe. Ver alguém sendo responsabilizado tira a esquerda do marasmo.
A quinta e última hipótese é a de que a convocação veio de gigantes da MPB, Caetano, Gil, Chico. Foi o retorno em movimentos nacionais suprapartidários da esquerda festiva e da música como combustível da resistência.
No fim, acho que a mágica do retorno às ruas foi tudo isso junto e ao mesmo tempo.
Se em 2019 nos falassem que estaríamos vivendo isso em 2025, ninguém acreditaria.
O mundo gira rápido.
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