“Reunião de governo não pode ser igual a um almoço de domingo”.
Ministro Flávio Dino
Recurso Extraordinário (RE) 1133118
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de uma oscilação preocupante no que tange à vedação do nepotismo, prática que agride frontalmente os pilares da moralidade e da impessoalidade republicanas. A história recente do tema ilustra um ciclo que, partindo de uma rigidez protetora, caminha para uma perigosa flexibilização. Em 2008, a Corte editou a Súmula Vinculante 13 (SV 13), estabelecendo um marco ao proibir a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau para cargos comissionados ou de confiança, baseando a vedação diretamente nos princípios constitucionais da Administração Pública (Art. 37, caput). O objetivo era claro: blindar a máquina estatal contra o favorecimento pessoal e o tráfico de influência.
Mudam-se as pessoas, mudam-se as cabeças. A dinâmica institucional do STF, contudo, com suas sucessivas composições, introduziu uma distinção de matiz teórico — a separação entre “agentes públicos” e “agentes políticos”. Argumentou-se que a SV 13 não se aplicaria aos cargos de natureza “política”, como Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais. O fundamento, em síntese, era que esses cargos demandam um alto grau de confiança pessoal e alinhamento programático com o Chefe do Executivo, o que supostamente relativizaria a exigência de impessoalidade.
O ponto de inflexão mais recente e criticável reside na atual composição da Corte que, ao revisitar a matéria (Tema 1.000 da Repercussão Geral), não apenas manteve a exceção para os cargos políticos, mas, na prática, ampliou sua aplicabilidade por meio de uma interpretação extensiva do próprio conceito de “agente político” e das condições para a nomeação. O voto vencido do Ministro Flávio Dino, ao defender a aplicação integral da SV 13 a todas as esferas e funções, sem “zonas de sombra”, tocou o cerne da questão: a regra da impessoalidade e do mérito não deveria admitir exceções no serviço público, seja ele administrativo ou político. A nomeação deve ser pautada pela qualificação e pelo interesse público, e não pelo parentesco, sob pena de confundir a esfera pública com o arranjo familiar. O risco é que o requisito de “qualificação técnica” exigido pela tese vencedora torne-se uma mera formalidade para legitimar escolhas baseadas no afeto.
Tal decisão recente, por maioria, representa um refluxo institucional e uma erosão da autoridade moral do Judiciário como guardião do republicanismo. O nepotismo, mesmo nos chamados cargos políticos, enfraquece a democracia ao minar a igualdade de oportunidades e ao sugerir que o acesso ao poder não é mediado pelo mérito, mas sim pelo sobrenome. A moralidade administrativa não é um luxo, mas uma exigência constitucional. Ao flexibilizar a vedação ao nepotismo para uma categoria que já detém imenso poder decisório, o STF sinaliza um tolerância que conflita com a expectativa social por uma gestão pública ética.
A mudança de jurisprudência, nesse caso, não reflete uma evolução do direito, mas um infeliz recuo institucional, desafiando o próprio propósito de proteção da Constituição e de seus princípios republicanos.
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