Quando muita gente quer a mesma coisa, já sabe: a chance de indisponibilidade cresce. E isso tem acontecido com livros. A biblioteca da meia-noite, de Matt Haig (Bertrand Brasil, 2021), foi o livro de ficção mais procurado e vendido no Brasil no primeiro semestre de 2024, com mais de 29 mil cópias, segundo levantamento do portal de informações sobre o mercado editorial PublishNews. Mais recentemente, outro fenômeno de vendas é A hipótese do amor (Editora Arqueiro, 2022), da italiana Ali Hazelwood — que já ganhou dois capítulos extras desde o lançamento, ambos disponíveis gratuitamente na versão digital. Além de se tornarem best-sellers, esses títulos têm mais do que isso em comum: caíram nas graças do público ao viralizarem no TikTok.
Não é de hoje que a comunidade leitora tem espaço nas redes sociais, mas a força da plataforma atrai adolescentes e jovens para o chamado BookTok. Na rede chinesa, a hashtag #BookTokBrasil soma mais de 2,9 milhões de publicações e 21 bilhões de visualizações, com os criadores de conteúdo literário, conhecidos como booktokers, impulsionando títulos que rapidamente se tornam sucesso de vendas e se esgotam rapidamente. Em um país que historicamente lê pouco, o fenômeno tem chamado a atenção tanto do mercado editorial quanto de oficinas literárias, além de escritores e do público.
O sucesso motivou a plataforma a criar o concurso Livros do Futuro, em parceria com as editoras Globo Alt, Record e HarperCollins, para descobrir novos autores nacionais nos gêneros fantasia, romance jovem adulto e suspense. Os vencedores terão seus livros publicados e receberão prêmios em dinheiro, além de investimento para divulgação dentro e fora da plataforma.
O booktoker e escritor Tiago Valente, também jurado do concurso, avalia que o crescimento da comunidade literária nas redes pode ter sido uma forma de refúgio na pandemia, ao se criar um espaço de troca e diálogo entre leitores, mostrando que todo mundo pode consumir e discutir literatura. “Essa despretensão aproximou as pessoas da leitura, talvez pela primeira vez. Colocar a literatura nesse lugar de conversa entre amigos, como fazemos com filmes e séries, tornou o livro uma opção real de entretenimento”, afirma.
O reflexo do fenômeno chegou às livrarias, com leitores buscando cada vez mais pelos títulos que viralizam no TikTok. A demanda cresceu tanto que muitos estabelecimentos criaram prateleiras específicas para os livros do BookTok.
Outro efeito foi a cobrança da comunidade por mais diversidade, com maior destaque para autores e personagens negros, LGBTQIA+ e nacionais. Esse movimento aproximou os criadores de conteúdo das editoras, que passaram a convidá-los para atuar como consultores, curadores, autores de prefácios e até na elaboração de estratégias de marketing.
Apesar da aproximação entre os livros e as redes sociais, a internet é o maior concorrente do livro na disputa pelo tempo livre das pessoas. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), 78% dos entrevistados preferem usar a internet no tempo livre e, entre os leitores, o índice é mais alto, chegando a 87%. Segundo Giovana Citrangulo, assistente editorial da Editora Moderna, “a internet facilita a distração e torna mais difícil manter o foco em uma atividade como a leitura”.
Entre o tempo de tela e o tempo de leitura, Valente acredita que o desafio é equilibrar os dois mundos. “Ao mesmo tempo que vivemos um ritmo acelerado nas mídias sociais, estamos criando uma relação cada vez mais íntima com elas. O desafio é transformar esse ambiente em um espaço de diálogo literário”, sugere.
Em paralelo, os clubes de leitura ganham força, com a hashtag #ClubedoLivro centralizando a atenção no TikTok. Um exemplo é o Querido Clássico, criado pela escritora Mia Sodré, que reúne mais de 3 mil membros — de jovens mergulhando no mundo dos clássicos pela primeira vez a adultos que tentam retomar o hábito da leitura. “Ler clássicos é uma forma de entender o passado e de onde viemos. Quando mergulhamos nas obras e nas biografias dos autores, desmistificamos a ideia de que esses livros são difíceis. É um processo de construção e descoberta”, avalia a escritora.
No entanto, Mia faz um alerta sobre os riscos do consumo literário nas redes, influenciado pelos algoritmos das plataformas, que entregam vídeos com músicas famosas, com duração menor e hashtags populares. Embora a internet seja um ótimo espaço de divulgação, a escritora acredita que pode se tornar perigosa quando os produtores de conteúdo assumem uma postura de superioridade. Na sua visão, a leitura é, antes de tudo, uma forma de entretenimento, e o leitor precisa lembrar que é também consumidor para não cair no discurso do consumismo disfarçado de dicas como “você precisa ler este livro”.
O incentivo das redes e a curiosidade por novos títulos estimulou o surgimento de um novo produto — os clubes de assinaturas. Para Giovana, da Editora Moderna, assinar o plano foi a solução para resgatar o hábito de ler. Ela conta que sempre esteve cercada por pessoas que liam, mas, na faculdade, acabou restrita às leituras obrigatórias e distanciou-se da literatura. O primeiro contato com o modelo foi o presente de uma colega, que doou a ela dez títulos comprados e não lidos. Giovana ficou encantada com a curadoria das obras, o design e os materiais extras. Na decisão pela assinatura da TAG — Experiências Literárias, contou também o fato de que a escolha dos títulos é feita por nomes relevantes no cenário cultural.
A TAG, um dos clubes de assinatura mais populares, oferece quatro planos: TAG Inéditos, apenas com lançamentos; TAG Curadoria, com seleção realizada por uma personalidade da cultura; e dois planos em parceria com influenciadores — Clube Atlas do Feminino, com Marcela Ceribelli, e Bookster pelo Mundo, com Pedro Pacífico.
Segundo o diretor financeiro da empresa, Marcos Becker, a TAG acompanha o mercado e observa o fenômeno de forma positiva no aspecto de influenciar a leitura, principalmente para o público mais jovem usuário da rede. “A companhia já foi beneficiada, por exemplo, pelo livro A biblioteca da meia-noite, que enviamos pela TAG Inéditos e viralizou no TikTok. As pessoas começaram a dizer ‘Esse livro é incrível’ em diversos vídeos. Ele tornou-se um best-seller tanto na TAG quanto na própria editora que o publicou depois e, hoje, detém os direitos do livro”, conta.
A publicitária Luana Fonseca, também assinante, comenta que a experiência se torna mais rica pela diversidade de visões de mundo que os livros do clube proporcionam. Além da TAG, ela participa também de um clube online e gratuito de literatura chinesa, que mensalmente discute um título. Os encontros são uma forma de interagir com a comunidade, opina.
A Amora Livros segue a mesma tendência dos clubes de assinatura, mas com o foco específico de incentivar a produção e divulgar a obra de autoras contemporâneas. O projeto inclui o Pé de Amora, que seleciona contos inéditos de novas escritoras para enviá-los como brinde nas caixas mensais. Patrícia Papp, uma das fundadoras da iniciativa, acredita que o projeto completa uma roda, pois ao mesmo tempo que incentiva a leitura, também estimula a escrita.
De acordo com ela, a proposta busca equilibrar a presença feminina no mercado literário, já que ainda predominam obras escritas por homens, tanto na literatura quanto em outras áreas. E destaca que, embora existam autoras reconhecidas, como Clarice Lispector, muitas outras ainda permanecem invisibilizadas. Há casos, inclusive, de escritoras que, depois de participarem do projeto, publicaram suas obras em grandes editoras.
Mesmo com o aumento das comunidades de leitores nas redes, os números ainda indicam queda no índice de leitura dos brasileiros. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024 revelou que apenas 53% da população leu pelo menos parte de um livro no último ano, o menor índice já registrado — são 7 milhões de leitores a menos em relação à edição anterior, de 2019. De acordo com Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, a redução está ligada ao analfabetismo funcional dos jovens e adultos e à diminuição do número de leitores entre crianças de 5 a 10 anos. “Se as crianças não estão sendo formadas para a leitura, isso vai repercutir no futuro”, alerta.
Pensando nesse cenário, Renata Nakato criou um clube de assinatura voltado para crianças de até 12 anos, o Clube Quindim. A proposta é inserir a leitura na rotina das famílias por meio de uma experiência literária afetiva. Renata acredita no valor do tempo de qualidade e da leitura compartilhada, em que o adulto não ocupa o papel de detentor do saber, mas participa de uma troca.
Renata explica que, no clube, não há receio de abordar temas difíceis. O livro deste mês, por exemplo, trata do luto. E há maneiras de incentivar o hábito de ler de forma lúdica, como o Mapa para Conversas, que aponta caminhos de escolha com dicas para leitura compartilhada, indicando outros livros e aprofundando temas que aquela obra desperta. “A literatura atravessa questões humanas, e quando há um ambiente de afeto e de segurança, a experiência torna-se especial. Ler com uma criança é um momento de atenção exclusiva”, defende.
A fala de Renata reforça a importância do incentivo à leitura desde a infância, especialmente diante do registro de que 32% dos brasileiros que não leem afirmam não gostar de ler. Na opinião de Zoara, o dado reforça a urgência de políticas de formação de leitores. “Se não houver investimento, correremos o risco de ter uma queda grande o suficiente para afetar toda a cadeia produtiva do livro”, adverte. Embora os clubes não sintam os efeitos da queda da leitura — afinal, quem os procura está justamente na contramão da tendência —, o desafio está em ampliar o alcance, já que giram em torno de um mesmo público.
Por isso, a fundadora do Clube Quindim ressalta a importância do incentivo à leitura na infância. “Quem assina são os pais, muitas vezes não leitores, mas que reconhecem e valorizam a importância da leitura”, conta Renata, acrescentando que esses pais entendem a leitura como uma forma de emancipação, seja cultural, seja social, e desejam isso para os filhos. “Nos relatos dos assinantes, muitas vezes as famílias voltam a ler por causa da literatura que recebem do clube”, finaliza.