Há 50 anos Murilo Mendes entrava, definitivamente, na sua eternidade poética. Durante a sua derradeira viagem a Lisboa, no verão de 1975, chegava ao fim a vida de um dos mais importantes poetas não apenas da literatura brasileira, mas de toda a língua portuguesa. Autor de uma vasta e variada obra, sobretudo na poesia, Murilo também produziu prosa, epistolografia e crítica de arte, especialmente pintura e escultura.
Mineiro de Juiz de Fora, de família burguesa e numerosa, desde cedo revelou uma personalidade inconformada, um tanto rebelde, afeito a certas tradições e valores próprios do seu tempo. Estudou poesia com Belmiro Braga, poeta famoso à época e ainda partidário de certa ambiência simbolista com roupagem parnasiana. Em sua terra natal, participou — sem muita convicção — das reuniões de grupos da Ação Católica Brasileira, especialmente aqueles ligados à Associação dos Universitários Católicos.
Em 1921 muda-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como arquivista na Diretoria do Patrimônio Nacional, onde inicia uma forte amizade com o pintor surrealista Ismael Nery, uma das mais fortes influências artísticas e ideológicas da sua vida. Ismael frequentava as reuniões do Centro Dom Vital (órgão dos intelectuais católicos cariocas) e também as conferências do Padre Leonel Franca, teólogo jesuíta fundador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que muito marcou a intelectualidade do seu tempo. Murilo passou a acompanhar o amigo e conheceu um mundo mais místico e sedutor, com encontros e compromissos que o afastavam cada vez mais do materialismo e do indiferentismo religioso.
Em 1934, acontece o grande divisor de águas na sua vida: a morte de Ismael Nery, vitimado pela tuberculose, após longo período de sofrimento. Tal fato abalou o íntimo e o imaginário de Murilo que o levou a converter-se, em definitivo, ao catolicismo.
Desde 1928, Murilo Mendes já se correspondia com Alceu Amoroso Lima, principal crítico literário e intelectual católico brasileiro. Foi Alceu que, em 1930, aquando da publicação de “Poemas” – primeiro livro de Murilo – percebeu a forte verve mística e transcendental que se fortaleceria mais tarde, após a sua conversão. A amizade com Alceu foi fundamental para Murilo até o fim de sua vida, não apenas pela troca ininterrupta de uma longa e densa correspondência, mas por conta de toda a orientação religiosa do crítico literário sobre o eu do poeta, especialmente após a morte de Ismael Nery.
Uma demonstração de tal fato se deu em 1935, quando Murilo Mendes – em companhia de outro grande poeta místico católico, Jorge de Lima – publicou o livro “Tempo e Eternidade”, uma das obras mais significativas da poesia modernista brasileira, iniciando o movimento que ambos batizaram de “a renovação da poesia em Cristo”.
As décadas de 30, 40 e 50 testemunharam uma profícua produção literária de sua lavra, com livros que marcaram posições importantes na literatura brasileira, com destaque para: “Bumba-meu-poeta” (1931), “História do Brasil” (1932), “Os Quatro Elementos” (1935), “O Sinal de Deus” (1936), “A Poesia em Pânico” (1937), “O Visionário” (1941), “As Metamorfoses” (1944), “Mundo Enigma” (1945), “O Discípulo de Emaús” (1945), “Poesia Liberdade” (1947), “Janela do Caos” (1949) e “Contemplação de Ouro Preto” (1954).
Em 1957, após duas longas temporadas no exterior ministrando palestras e divulgando a nossa literatura (e também a sua própria obra), Murilo Mendes recebeu um convite do Itamaraty para ministrar aulas de literatura brasileira nas universidades de Roma e de Pisa, o que o levou a mudar-se para a Itália. Na capital italiana, Murilo criou uma forte rede de sociabilidade com a intelectualidade local e europeia, transformando o seu apartamento na “embaixada cultural do Brasil em Roma”, nas palavras do seu amigo Alceu Amoroso Lima.
Durante a sua longa temporada na Europa, tivemos a publicação dos livros: “Poesias” (1959), “Siciliana” (1959), “Tempo Espanhol” (1959), “Antologia Poética” (1964), “Italianíssima” (1965), “A Idade do Serrote” (1968), “Convergência” (1970), “Poliedro” (1972) e “Retratos-relâmpago” (1973). Em 1973, a consagração chegou com a outorga do Prêmio Etna-Taormina, considerado à época como o “Nobel da Poesia”, o que o incluiu no rol dos maiores nomes da poesia internacional.
Infelizmente, Murilo Mendes ainda sofre com o injustificável esquecimento por parte dos leitores brasileiros, fato este que esperamos ser remediado com a recente publicação da sua “Obra Completa” (Companhia das Letras, 2025).
No início de 2026, a EDUSP publicará a sua correspondência inédita com Alceu Amoroso Lima, sob a minha organização e autoria. São estratégias editorais que buscam colocar Murilo Mendes no lugar definitivo dos grandes nomes da nossa literatura, especialmente com a conquista de novos leitores e pesquisadores da sua obra.
Na memória dos 50 anos da sua eternidade poética, fica a dica àqueles interessados em cultura para conhecer um pouco mais este poeta que, num dos seus livros, afirmou: “Só não existe o que não pode ser imaginado”.
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