Em meio à efervescência de escândalos de corrupção que ocorriam no Brasil, o Supremo Tribunal Federal formou maioria, em 2014, para proibir a doação de recursos empresariais para campanhas eleitorais e partidos. O processo foi interrompido por um pedido de vistas, e naquele ano o pleito ainda foi irrigado por tal dinheiro. O desafio foi concluído em 2015, e as eleições de 2016 ocorreram quase em sigilo, tamanha falta de financiamento. Isso não seria um problema se existisse um povo consciente e se a corrupção fosse, de fato, limitada a partir de tal decisão. Não é isso que sugere o presente, sendo que recursos de caixa dois e do crime organizado são alvos de intensas preocupações presentes. Ainda assim, o Congresso Nacional criou um fundo especial eleitoral que estreou em 2018 e mobiliza bilhões.
As argumentações dos magistrados brasileiros entre 2013 e 2015 caminharam, fortemente, no sentido de associar empresas à corrupção. Em linhas gerais, ao que tudo indica, a atividade política no Brasil está sempre imersa em tal elemento. Se isso é verdade, não seria o momento exato de revermos certas práticas associadas às relações entre o universo empresarial e o comportamento do poder público brasileiro em geral? Vamos a alguns exemplos.
Uma empresa não pode financiar uma campanha eleitoral pois, segundo visões generalistas, isso seria uma forma de investir em relação clientelista. Perfeitamente. Isso é apenas uma hipótese, mas o fato pode ocorrer e merece atenção. Mas se isso é verdadeiro, a que resultado chegaremos, por exemplo, se cruzarmos as doações eleitorais de servidores comissionados, e seus familiares, aos seus respetivos grupos políticos em anos eleitorais? Isso não desequilibra o jogo? Isso não faz com que um eleitor, servidor indicado ou com fortes interesses em relações clientelistas, também “invista” nas eleições? O CPF que doa deveria estar ou ser nomeado para a administração pública? Pense apenas com a cabeça da justiça, e não compare os volumes doados por empresas com os recursos de pessoa física que buscam investir em campanhas, pois em certas realidades locais o único dinheiro oficial vem desses atores.
Mas vamos adiante. Por que a doação de pessoa física deve estar vinculada a um percentual do que o sujeito faturou no ano anterior ao pleito? Isso é outro absurdo que torna o eleitor, teoricamente igual perante às urnas, em um agente absolutamente desigual. Compare as rendas no país da desigualdade e verás que os ricos continuam, em tese, mandando no processo, e esta sentença só está escrita aqui porque estou observando as desigualdades das quais as empresas são acusadas pelos votos do STF que as tiraram do jogo.
Outro ponto a ser destacado: a justiça brasileira parte do pressuposto de que doações em geral devem ter algo de errado. Sei disso porque recentemente doei recurso para uma eleição suplementar em uma cidade do interior. Quando analiso a prestação de contas disponível no site do TSE, lá está meu nome e meu CPF. Sem problema algum. Eu tinha a exata dimensão de que isso ocorreria e não tenho razão para me esconder. Mas existe um problema: em ato recente, de 2024, a justiça retirou das bases do TSE a informação sobre o CPF das candidaturas. A chave para uma série de estudos acadêmicos, verificações de tendências e pesquisas por parte dos eleitores foi subtraída das bases. O dado do doador não, o da pessoa pública que coloca seu nome para decisões absolutamente estratégicas ao sistema democrático: sim. Por uma leitura da Lei Geral de Proteção de Dados eu protejo a pessoa pública que quer meu voto, e exponho o doador que em tese seria livre para doar sem se expor tanto. E aqui registro: sou absolutamente favorável a que ambos sejam expostos, pois a democracia exige esse tipo de informação.
Por fim, a última ideia associada aos valores que a justiça nos traz quando associa dinheiro privado e ações do poder público. Recentemente vimos a prisão do dono de um banco envolvido em fraudes que acumulam bilhões de reais – falo do Banco Master, e o citado empresário já está em casa… Esta mesma instituição consta como patrocinadora de eventos que empilham ministros do STF como palestrantes. Se o dinheiro das empresas é sujo para financiar campanhas eleitorais, por que ele é suficientemente limpo para financiar eventos da justiça ou que contam com membros desse poder?
Passou da hora de questionarmos porque magistrados se manifestam tanto fora dos autos e se realizam em falas pelo planeta dando suas opiniões sobre temas que, em tese, podem ter sob suas responsabilidades em julgamentos formais. Um político ou um partido é suspeito quando recebe recurso empresarial porque pode legislar ou executar em benefício de seu investidor. O que faz de um membro da magistratura alguém tão diferente a ponto de não julgar sob o efeito do mesmo argumento? Lembremos que um ex-ministro do STF, que presidiu a Corte, disse haver conluio entre advogados e juízes, e que o resultado eram “relações veladas e promíscuas”.
Uma sociedade verdadeiramente republicana se funda na ideia de que busca construir valores públicos universais, e aqui torna-se evidente que eventos privados que contam com a presença de empresários financiadores e servidores julgadores se tornam evidentemente dignos dos mesmos princípios e percepções da própria justiça sobre a relação entre políticos e empresários. Generalizar é muito ruim, mas imaginar que uns podem o que outros são proibidos de fazer é igualmente questionável.
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