Artigo

A BBB é Grande e Bela para quem? Part.II

Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

No ensaio A “Big Beautiful Bill” é Grande sim! Mas é Bela para quem?, publicado em julho, apresentei a lei que Trump intitulou de BBB. Esta gera perda de acesso à saúde e segurança alimentar para milhões de norte-americanos e, em consequência, nega a base biológica e social do trabalho e reprodutiva nos EUA. Ao mesmo tempo, a lei promove cortes tributários para os ricos e prevê investimentos em políticas contra imigração e a favor da expansão militar e policial.  

Fiz uma pergunta no final do ensaio acima mencionado: se vai gerar, inevitavelmente, uma profunda crise e cisão social, qual a lógica estratégica que reina na aprovação dessa lei?

A resposta é que Trump está promovendo uma forma distinta de autoritarismo alimentada não por força bruta isolada, mas pela exploração estratégica de crises reais ou fabricadas, incluindo o colapso ecológico e social. Este “fascismo do fim dos tempos” oferece soluções falsas, baseadas em exclusão, controle e saque final dos recursos restantes, prometendo segurança para alguns à custa de muitos. 

As políticas descritas pela Big Beautiful Bill encaixam-se perfeitamente nesta lógica: criação de crises sociais como ferramenta com cortes massivos em saúde e alimentação geram deliberadamente insegurança, medo e caos para milhões. Esta miséria fabricada não é efeito colateral, mas uma ferramenta política.

É uma forma evolutiva do “capitalismo de desastre”, onde o caos não somente cria terreno para soluções anti-democráticas no estilo Pinochet. Mas também reflete uma lógica de saque final: extrair o máximo possível para o enclave privilegiado antes do (suposto) colapso, e, ao mesmo tempo, mina qualquer possibilidade de solidariedade ou contramovimento unificado contra esse “destino apocalíptico seletivo”.

Assim, os números cruéis – milhões sem saúde e comida, riqueza obscenamente concentrada – não são um desvio ou uma “externalidade” do jogo do mercado, mas o rumo traçado. 

A ideologia dominante dos plutocratas que apoiam essas políticas tornou-se um sobrevivencialismo monstruoso e supremacista. Deixam a terra queimar e se apegam a várias fantasias de apartheid de segurança em bunkers ou “cidades da liberdade”, como Próspera em Honduras.

Assim, tais elites desejam, como fundamentalistas religiosos, o tão esperado Arrebatamento. Comemoram com júbilo e convicção o uso da violência aniquilatória, como uma evidência feliz de que a terra Santa está se aproximando das condições sob as quais o Messias retornará e os fiéis receberão seu reino celestial.

Taylor e Klein comentam que é uma estranha reviravolta na história do Antigo Testamento. Os bilionários se arrogaram poderes divinos, mas não se contentam em apenas construir as arcas. Eles parecem estar fazendo o possível para causar o dilúvio. Os líderes de direita de hoje e seus aliados não estão apenas tirando vantagem das catástrofes, ao estilo da doutrina do choque, mas simultaneamente as provocando e planejando. 

E os que não tem dinheiro para comprar o seu lugar na “cidade da liberdade”? Sem problemas, se você aderir como soldado de baixa infantaria, prometem a você um lugar mais em conta. Basta que você adira à lógica da nação como um coletivo de bunkers, e entenda que a primeira tarefa é reforçar as fronteiras nacionais e expurgar todos os inimigos, estrangeiros e domésticos. A Big Beautiful Bill arrumou fontes de financiamento duradouros e extensos para essa política. 

Mas também para que os cidadãos das “cidades da liberdade” se sintam protegidos e possam superar os tempos difíceis que virão é igualmente importante que os EUA reivindiquem quaisquer recursos de qualquer lugar do mundo. Podem ser terras raras do Brasil, a água doce do Canadá, os minerais da Ucrânia. Trump diz diretamente que vai se apossar de recursos para o colapso civilizacional.

É muito fácil aceitar o Arrebatamento e o colapso da civilização, graças a décadas de crise de reprodução social que, habilidosamente, coloca trabalhadores uns contra os outros. Muitas pessoas, compreensivelmente, sentem-se incapazes de se proteger da desintegração que as cerca.

O pior é que a compensação emocional para lidar com o medo de não sobreviver ao fim do mundo leva a comemorar e glorificar a destruição de ações afirmativas, a deportação em massa, a vilanização de educadores e profissionais da saúde. Propõe-se um final do mundo festivo para aqueles que acham mais fácil celebrar a hierarquização social e o supremacismo racial e patriarcal.

Para os bilionários plutocratas o apocalipse é a regulamentação ambiental, e a Greta Thunberg é o anti-Cristo.  Logo, exigências legais que possam limitar atividades econômicas que prejudicam o clima são aplicadas por um estado “totalitário”. Essa forma de pensar a política considera que um pequeno ínfimo de pessoas pode tomar decisões sobre quais as partes da humanidade podem sobreviver e de que maneira e quais precisam ser eliminadas ou encerradas. Mesmo com técnicas avançadas isso se chama eugenia. 

Deve ser um filme de terror para um eugenista perceber que, para que o planeta sobreviva, ele precisa de uma pluralidade de formas de vida não hierarquizáveis entre si. Deixemos claro que a lógica estratégica da BBB é a normalização de uma ideologia que prega a impossibilidade de um mundo compartilhado e aceita ou promove, em consequência, a morte em massa.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.