Após uma decisão, em 2018, da Suprema Corte dos Estados Unidos, 38 Estados legalizaram as apostas esportivas. Anos depois, pesquisadores da Califórnia estudaram como essa política impactou a saúde financeira da população, com base na implementação estadual da legalização dessas práticas e num abrangente conjunto de dados sobre resultados financeiros dos consumidores.
A principal descoberta dos autores é que, em geral, a saúde financeira dessas pessoas se deteriorou após a decisão. A pontuação média de crédito nos Estados em que esses jogos foram legalizados diminui em aproximadamente 0,3%. Essa queda está associada a mudanças nos indicadores de dívida excessiva. Foram apontados, ainda, um aumento substancial nas taxas de falência, cobranças de dívidas, empréstimos para consolidação de dívidas e inadimplências em empréstimos para automóveis. Os pesquisadores ainda apontam que as instituições financeiras responderam à redução da solvência dos consumidores restringindo o acesso ao crédito.
Os resultados são mais fortes nos Estados que permitem apostas esportivas online em comparação aqueles que restringem o acesso às apostas presenciais. Talvez o mais relevante apontado pelos autores tenha sido o de que os impactos negativos à saúde financeira dos cidadãos foram maiores para homens jovens em condados de baixa renda. Os pesquisadores concluem que os números indicam que a facilidade de acesso às apostas esportivas está prejudicando a saúde financeira dos consumidores ao torná-los mais endividados. Embora muitos Estados possam ter optado pela legalização na esperança de aumentar a receita tributária, o impacto indesejável documentado pode, parcialmente, anular os benefícios da receita tributária à medida que a saúde financeira de mais pessoas se deteriora.
No Brasil, não há pesquisas relevantes que cheguem a apontar causalidade, mas já existem algumas estatísticas descritivas que ajudam a desenhar o quadro. Dados do Banco Central (BC) mostram que os brasileiros gastaram mais de R$ 50 bilhões em jogos e apostas esportivas só no ano passado. Por volta de 70% desse valor retornaram ao País em prêmios para apostadores. Quando questionados, 15% dessas pessoas admitem que fazem ou já fizeram apostas esportivas online. Entre os mais jovens, com idades entre 16 e 24 anos, esse número é de 30%. Homens apostam mais do que mulheres, 21% deles já apostaram, enquanto entre as mulheres, apenas 9%. Os apostadores recorrentes gastam, em média, R$ 363 por mês. A mesma pesquisa, do Datafolha, indica que 17% dos beneficiários do programa Bolsa Família fazem ou fizeram alguma aposta, dos quais quase 60% gastam mais de R$ 50 por mês nesses jogos.
Isso tudo foi possível graças a uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Michel Temer, também em 2018. A norma previa uma regulamentação em quatro anos — o que não aconteceu durante o governo de Jair Bolsonaro. Somente em 24 de maio deste ano que o Ministério da Fazenda estabeleceu o conjunto de regras para a atuação das empresas no Brasil, na expectativa de arrecadar R$ 1,6 bilhão. A taxa estabelecida considerou as apostas esportivas menos danosas do que as na Mega-Sena — ou do que o consumo de cigarro e bebidas alcoólicas —, uma vez que estabeleceu impostos mais baixos para aquelas. A primeira regulamentação da Reforma Tributária (PLP 68/2024) também prevê a inclusão das apostas no hall de impostos seletivos, junto com itens como bebidas alcoólicas e açucaradas, cigarros e loterias. O projeto, que está atualmente no Senado, ainda não estabelece alíquotas, as quais serão regulamentadas em um futuro Projeto de Lei (PL).
Se podemos aprender algo da experiência norte-americana e do mais recente estudo sobre o tema é que os ganhos tributários advindos da taxação das apostas de cota fixa não justificam os danos causados aos cidadãos. No que pese a importância de uma iniciativa de renegociação de dívidas da população mais pobre, como foi o Desenrola, é preciso entender o quanto do alto endividamento do brasileiro foi consequência da pandemia e quanto foi resultado de apostas online. É preciso também repensar os critérios para a concessão de empréstimos a fim de evitar novos fluxos de superendividamento que transfiram os custos ao erário público.
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