Quando nasceu, era Bric, modesto e despretensioso. Logo, tornou-se Brics. Num mundo cada vez mais turbulento, não se acanhou nem se encolheu. Com a coluna ereta, estufou o peito e cresceu: agora é Brics+. Assim, brick by brick, o grupo deixou de ser mais uma iniciativa voltada para as cooperações comercial e diplomática, entre poucos países de economia emergente, para se converter numa aliança geopolítica empenhada na construção de uma ordem mundial multipolar mais inclusiva, mais justa e cooperativa.
Tudo começou em setembro de 2006, como relatado pelo chanceler Celso Amorim, uma figura central desde as articulações iniciais para a formação do Brics. Durante a 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, diplomatas do Brasil, da Rússia, da índia e da China realizaram a primeira reunião do grupo, ainda um tanto informal, para discutir as possibilidades de cooperação estratégica entre as suas economias emergentes. Essa aproximação convergia com a projeção de Jim O’Neill, um dos executivos do Goldman Sachs, que criou o acrônimo “Bric”. Em seu famoso “Global Economics Paper Nº 66”, de 2001, afirmou que, até 2050, o Produto Interno Bruto (PIB) conjunto desses países ultrapassará a soma do equivalente do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido).
Já naquele primeiro encontro, a espinha dorsal da agenda do Brics foi estabelecida: propiciar alternativas para relações comerciais mais autônomas entre as nações em desenvolvimento, promover o desenvolvimento sustentável e a segurança energética, fortalecer os posicionamentos comuns em fóruns multilaterais e aumentar a representação do Sul Global na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial. Nesse percurso de 15 anos, a agenda foi acrescida de outras pautas e metas, com avanços mais rápidos em algumas áreas e mais lentos e graduais em outras.
Entretanto, dois episódios históricos foram cruciais para alçar o Brics à condição de contraponto geopolítico à hegemonia do assim chamado “Ocidente Coletivo”. Primeiro, a crise econômica de 2008, que escancarou as vulnerabilidades econômicas do modelo predatório capitaneado por Estados Unidos e Reino Unido.
Sintomaticamente, a primeira cimeira do Bric, com os seus respectivos chefes de Estado, ocorreu em 2009, na Rússia. Um dos principais objetivos daquele encontro era avançar mais efetivamente a agenda formulada em 2006, com vistas a assegurar a estabilidade das suas economias em face da crise econômica. Estava em pauta as necessidades de regulação mais rígida dos mercados e da criação de um sistema financeiro alternativo e menos dependente do dólar.
Discutiu-se, ainda, a possibilidade de se intensificarem as transações comerciais em moedas locais, assim como a oportunidade para se instituir um banco de desenvolvimento que atuasse sem as exigências e amarras características do Banco Mundial — de fato, na Cúpula de 2014, no Brasil, foi criado o New Development Bank e o Contingent Reserve Arrangement, uma alternativa ao FMI para auxiliar os países com problemas nas balanças de pagamento.
O segundo momento fundamental foi a guerra na Ucrânia, iniciada com a operação militar especial russa, em 2022. Numa reação já esperada, o tal “Ocidente Coletivo” deflagrou uma guerra econômica implacável contra o Kremlin, que já sofria diversas sanções desde 2014, após a anexação da Crimeia. Desta vez, o país foi excluído do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), usado para ordens de pagamento e instruções de transferência internacional. Essa exclusão tinha como propósito isolar a Rússia financeiramente, estratégia também usada contra o Irã. Além disso, foram congelados os seus ativos internacionais (cerca de US$ 300 bilhões) e impostas inúmeras sanções comerciais, tecnológicas e de outras naturezas.
As contramedidas da Rússia — que resistiu, manteve o crescimento e logrou aumentar a própria influência política no Sul Global — se tornaram um estudo de caso a respeito de como o sistema financeiro, o dólar e o comércio internacional podem ser usados para desestruturar um país, assim como sobre os mecanismos que podem anular as armadilhas das sanções econômicas e dos embargos comerciais que o imperialismo ocidental sempre usa para manter a sua posição predatória.
Dois efeitos imediatos decorreram desse episódio. Por um lado, os membros do Brics intensificaram o posicionamento público em defesa da desdolarização; por outro, avolumou-se o número de países interessados em ingressar no bloco, que resultou na constituição do Brics+, em 2024.
Nesse contexto, o encontro deste ano, no Rio de Janeiro, foi um dos mais importantes já realizados, pois, pela primeira vez, esse fórum (agora ampliado e fortalecido) sinalizou com mais assertividade a sua atual condição: uma aliança geopolítica — para alguns, aliança civilizacional — que pretende ser “um ponto de virada na luta pela justiça pós-colonial”, para usar as palavras do premiê da Malásia, Anwar Ibrahim, em seu discurso no encontro.
Mas, o “império” não sairá de cena graciosamente. Para promover a multipolaridade inclusiva e cooperativa, o Brics+ terá de lidar com dois grandes desafios que tem evitado enfrentar: construir uma institucionalidade organizacional mais efetiva e adotar alguma estratégia eficaz de defesa mútua, sem a qual os países-membros que não dispõem de armas nucleares serão atacados isoladamente — com bombardeios, guerras diretas ou indiretas, sabotagens e revoluções coloridas —, servindo, assim, de exemplo para que os demais não ousem afrontar esse “reinado”.
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