Ao completar dez anos, em 2024, o Guia alimentar para a população brasileira instiga o Brasil a refletir a respeito do que alcançamos até agora e quais desafios ainda temos pela frente quando o assunto é alimentação saudável. A BORI tem olhado para o tema divulgando, à imprensa nacional de maneira detalhada, estudos de pesquisadores brasileiros sobre sistemas alimentares, que envolvem desde a produção do alimento até o consumo do produto. Nesta edição, trazemos cinco exemplos de pesquisas, publicadas neste ano, acerca de um problema que impacta a saúde pública brasileira: o consumo de ultraprocessados, que roubam o lugar da comida de verdade.
O Guia alimentar, que faz recomendações gerais para a população sobre a escolha de uma alimentação equilibrada e saudável, serve de instrumento para ações educativas e políticas públicas. O documento foi criado em 2014 pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP), e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a partir da constatação de que os brasileiros passaram a ser acometidos, de forma mais intensa nas últimas décadas, por doenças como obesidade e diabetes.
A ciência nacional foi pioneira na percepção de que o fenômeno da obesidade poderia estar relacionado ao consumo de produtos industrializados — e na criação de uma forma de agrupar alimentos segundo o processo industrial: a classificação Nova. O conceito de ultraprocessado, que ganhou o mundo, faz parte dessa especificação, nomeando formulações criadas pela indústria que mimetizam o sabor de alimentos in natura, com adição de açúcar, óleos, gorduras e aditivos para atrair o paladar dos consumidores.
De forma geral, passamos a consumir mais ultraprocessados, como salgadinhos, macarrão instantâneo e refrigerantes, e menos alimentos saudáveis consumidos no estado natural. Uma pesquisa das universidades estaduais do Ceará (Uece) e do Rio de Janeiro (Uerj), publicada em maio de 2024 na Revista de Nutrição, constatou que o consumo de refeições com ultraprocessados aumentou entre 2008 e 2018 no Brasil — e que esses itens passaram a substituir o tradicional arroz com feijão, prato bastante nutritivo.
O estudo ainda aponta que essas mudanças nos hábitos alimentares podem ter contribuído para os aumentos do excesso de peso e da obesidade entre brasileiros. Segundo esses dados, o sobrepeso aumentou, no período, 6% entre mulheres e 4% entre homens.
Baixo preço faz a escolha
São os ambientes que determinam as escolhas alimentares das pessoas — por exemplo, no acesso a ultraprocessados ou a alimentos in natura. Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicada em março de 2024, na revista Cadernos de Saúde Pública, traz dados preocupantes sobre a falta de acesso a alimentos saudáveis em favelas. O trabalho escutou moradores de comunidades de todo o País, que relataram ter dificuldade de encontrar frutas, verduras e legumes a preços acessíveis nos pontos de venda próximos a suas casas. Os relatos também mostram que a rotina corrida faz com que essas pessoas escolham os ultraprocessados em vez de preparar a própria comida.
O baixo preço parece ser um fator em comum para a escolha desse tipo de produto. Em Pernambuco, por exemplo, o consumo de ultraprocessados é três vezes maior entre pessoas de baixa renda do que aqueles com renda superior a um salário mínimo, segundo mostra outra pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), publicada em abril de 2024, na Revista Brasileira de Epidemiologia.
Políticas públicas no cardápio de soluções
Diante desse cenário, os especialistas são unânimes em afirmar que é preciso diminuir o consumo de ultraprocessados entre a população brasileira, e políticas públicas intersetoriais têm um papel importante nisso. Para melhorar os ambientes alimentares, o Poder Público pode aprimorar projetos existentes, construídos ao longo de décadas, além de formular novas que incentivem um consumo alimentar saudável.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são duas iniciativas que trazem resultados interessantes. De um lado, o Pnae garante o abastecimento de escolas públicas com alimentos saudáveis. Conforme pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), publicada em maio de 2024 na revista Brazilian Political Science Review, trata-se de uma política pública fundamental, porque reúne diferentes áreas (como Saúde e Educação) e níveis de governo (como Estados e municípios).
De outro, está o PAA, em que o governo adquire e distribui alimentos da agricultura familiar. O programa fez a renda média dos agricultores familiares vinculados crescer 24% em oito anos. Os dados são de estudo de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), publicado em abril de 2024 na revista Desenvolvimento e Meio Ambiente.Facilitar o acesso a alimentos saudáveis promove desde a melhora das condições econômicas das famílias produtoras até o menor comprometimento da renda de quem os adquire.
Seguindo as recomendações do Guia alimentar, essas pessoas ainda ganham em saúde e qualidade de vida, representando menos gastos, no longo prazo, para os governos. A ciência pode ajudar a subsidiar políticas públicas sobre o tema e, assim, contribuir para uma sociedade brasileira mais saudável.
ESTE ARTIGO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #482 IMPRESSA DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA NA VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.
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