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Debate sobre suposta anistia: Legislativo como palco de negociações

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

A discussão sobre uma possível anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado, após a conclusão dos julgamentos, não é um tema isolado. Ela se insere em um complexo jogo político que revela as dinâmicas de poder entre as principais instituições do Brasil. Independentemente do debate técnico sobre a inconstitucionalidade de tal proposta (sobre a qual se pronunciaram em tese os Ministros do STF), para entender o cenário, é preciso ir além do debate jurídico e entender as motivações e os interesses dos atores políticos que a sustentam. A anistia, nesse contexto, surge menos como uma questão de princípio ou técnica jurídica e mais como uma moeda de troca no intrincado cenário político: evidencia que o Parlamento, ao pautar a anistia, não o faz por um clamor generalizado, mas sim para negociar com o Poder Executivo e com o Supremo Tribunal Federal (STF).

Com o Executivo, a troca se dá pela manutenção de cargos e o fortalecimento de alianças. O apoio às pautas do governo pode ser condicionado ao favorecimento em nomeações, um jogo de xadrez em que a anistia é uma das peças. Já em relação ao STF as propostas de anistia podem ser vistas como uma forma de o Parlamento pressionar a Corte em duas frentes: a primeira, sobre a constitucionalidade das emendas parlamentares de orçamento (o chamado “orçamento secreto”) e a segunda, sobre a possibilidade de abrandamento das penas para os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Trata-se de uma tentativa de barganha, onde o Legislativo busca influenciar decisões que impactam diretamente seu poder e sua autonomia.

Destaca-se que a pauta da anistia não é de interesse de todos os atores políticos. Com a exceção do Partido Liberal (PL) e dos apoiadores mais leais aos envolvidos, a ideia de anistiar os golpistas não é vista com bons olhos por outras figuras políticas e partidos. Os pretendentes a candidatos à Presidência, em particular, não veem benefício em defender a anistia. Pelo contrário, o debate e a condenação dos envolvidos no golpe criam um vácuo político que pode ser preenchido por novas lideranças. A fragilização da família Bolsonaro, que antes dominava uma parcela significativa do eleitorado de direita, abre espaço para que outros nomes se consolidem. Uma anistia, ao reabilitar politicamente os envolvidos, poderia fechar essa janela de oportunidade. A falta de apoio generalizado à anistia, fora dos círculos mais próximos aos réus, reforça a ideia de que a proposta tem um propósito mais instrumental do que ideológico para a maioria dos parlamentares.

As propostas de anistia ora apresentadas nas Casas Parlamentares, neste contexto, refletem menos um debate sobre justiça e perdão e mostram mais as complexas relações de poder no Brasil: um Legislativo que utiliza a pauta como um instrumento de barganha para fortalecer sua posição frente aos outros poderes e proteger seus interesses. Para os pretendentes à Presidência, a condenação dos envolvidos no golpe é, paradoxalmente, um cenário favorável, pois permite a reconfiguração do espectro político. Pelo que se apresenta, o futuro da tão falada anistia, não será decidido por questões morais ou jurídicas, mas sim pela dinâmica de interesses e de poder que se desenha no xadrez político.

Resta saber se o jogo de forças permitirá que essa pauta avance concretamente, ou se ela se dissipará, cumprindo apenas o seu papel de ferramenta de negociação.

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