Anchorage, Alaska. 15 de agosto de 2025. Pouco antes das 11h da manhã, horário local, a aeronave IL-96-300PU (Ilyushin), informalmente conhecida como Flying Kremlin, pousou na base militar estadunidense, Elmendorf-Richardson, trazendo o presidente russo Vladimir Putin e a sua comitiva. Pouco antes disso, aterrissou na mesma pista o Air Force One, um Boing 747 amplamente modificado que Donald Trump utiliza como avião presidencial.
Trump ficou a bordo aguardando a chegada do voo de Putin. Uma vez em solo, Putin permaneceu na sua aeronave esperando que Trump descesse primeiro —tudo cuidadosamente coreografado para que o presidente norte-americano se posicionasse, receptivo, no ponto de interseção das duas tiras do longo tapete vermelho que pavimentaria a caminhada triunfal de Putin sob os holofotes da imprensa ocidental.
Visivelmente entusiasmado, Trump aplaudiu o presidente russo durante o breve percurso —mais de uma vez— e, ao final, ofereceu-lhe a mão em cumprimento, com a palma virada para cima, de maneira que Putin pôde acomodar a sua em posição de superioridade. Para completar as honras da saudação, enquanto Trump e Putin se dirigiam ao veículo que os conduziu, juntos (!), até as instalações reservadas para a reunião, um bombardeiro B-2 e quatro caças F-35 sobrevoaram a base, em formação (e mais, no retorno de Putin à Rússia, parte do seu trajeto seria escoltado por caças norte americanos).
Ao que parece, a sugestão da data e do local para o encontro veio da Rússia, e não por acaso. Foi em 15 de agosto de 1945 que o Imperador Hirohito anunciou a rendição do Japão na Segunda Guerra, um conflito no qual a União Soviética e os Estados Unidos lutaram como aliados —talvez esta tenha sido uma das sinalizações do ministro das relações exteriores, Sergey Lavrov, com a inscrição CCCP no seu suéter. O Alaska, por sua vez, foi palco de sangrentas batalhas, que ocorreram nas ilhas de Attu e Kiska, ocupadas por tropas japonesas em 1942 e recuperadas em 1943. Além disso, até 1867, essa região fazia parte do império russo.
Ocorre que a Guerra da Criméia (1853-1856) —que os russos perderam para a aliança entre o Império Otomano, a França, o Reino Unido e a Sardenha— exauriu os cofres da monarquia e destroçou as suas forças militares. Então, o Imperador Alexandre II julgou ser conveniente vender o Alaska a fim de arrecadar recursos financeiros tão necessários àquela altura; ademais, com a venda, evitaria a perda total do território para o Reino Unido, que cogitava uma incursão no território usando o Canada, em grande medida ainda sob o seu controle.
O Grão-Duque Constantino Nikolaevich, irmão do Imperador, descobriu que nos Estados Unidos havia um interessado no negócio. Tratava-se do Secretário de Estado, William Seward, um republicano expansionista incutido até os ossos com os ideais do “destino manifesto” da sua nação. O Barão Eduard de Stoeckl, embaixador russo em Washington, tocou as tratativas que levaram o Alaska a ser adquirido, em 30 de março de 1867, pela bagatela de 7.2 bilhões de Dólares (cerca de 2 centavos por acre), o equivalente a 140 milhões nos dias atuais. A transação, contudo, provocou protestos inconformados nos Estados Unidos, pois os críticos, que eram muitos, alegaram que país havia jogado dinheiro fora “comprando gelo” —chamaram o negócio de a “loucura de Seward”. A posteridade, ardilosa que é, resolveu dar razão ao visionário: além da posição estratégica no Pacífico Norte, a região revelou ser rica em ouro, petróleo, gás natural, madeira e produtos de pesca.
Cercados de todo esse simbolismo, os dois presidentes entraram numa reunião que durou quase três horas para, ao final, não decidir nada. O ponto principal da pauta era a resolução da guerra na Ucrânia, cujo encaminhamento dependia da superação de um impasse: adotar um cessar-fogo, primeiro, para dar início às negociações de paz ou negociar a paz sem um cessar fogo, com a guerra ainda em curso?
Putin, como era de se esperar, não moveu um centímetro da sua posição inicial. Desde sempre, o líder russo defende que a negociação de paz deve ser atrelada a uma arquitetura de segurança integral, e que deve ser acordada sem um cessar-fogo. Putin sabe que o congelamento momentâneo do conflito serviria apenas para o rearmamento e o reagrupamento da Ucrânia, que voltaria à carga logo em seguida. Além do mais, cessar-fogo para quem está ganhando sobejamente sequer faz sentido. Trump, pelo menos por enquanto, aceitou essa posição, mas Emmanoel Macron (França) e Friedrich Merz (Alemanha) insistem no cessar-fogo como condição para as negociações.
Um acordo definitivo, portanto, ainda está distante. Aos líderes europeus interessa a continuidade da guerra, pois somente assim conseguem manter a o discurso interno do “fantasma da invasão russa” e aumentar os gastos militares dos seus países. Às elites políticas dos Estados Unidos interessa deixar com os seus aliados europeus o confronto com a Rússia, mas mantendo o suprimento de armas que alimenta a sua indústria bélica. Putin, por sua vez, sabe que os norte americanos não são confiáveis e que os europeus estão a caminho do colapso econômico. No campo de batalha, os russos seguirão conquistando mais território. Além disso, as tarifas secundárias ameaçadas por Trump não apenas aceleram a coesão do Brics como ricocheteiam duramente contra a economia dos Estados Unidos.
Tudo isso, aliás, já estava indicado em outro simbolismo que marcou o grande encontro. Segundo os jornalistas russos que viajaram na comitiva de Vladimir Putin, a refeição servida durante o voo foi “frango à Kiev”.
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