Artigo

Império Romano, IA e a revanche chinesa

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Ouvindo o podcast Vira Casacas desta última semana, me assustei com o relato de um dos integrantes do programa. Ele narrou que, em 2023, houve uma trend mundial no TikTok em que mulheres perguntavam a homens com qual frequência eles pensavam no Império Romano. Parece totalmente aleatório, não é?! Mas, ao que tudo indica, o tema não é tão aleatório assim. Tudo porque, pasmem, muitos homens responderam que o tópico é assunto recorrente nas suas mentes. Alguns afirmaram pensar nisso diariamente. Um disse, inclusive, que chegava a pensar três vezes por dia no Império Romano.

Diante disso, volto ao artigo “Zuckerberg, Musk e o risco do tecnofacismo”, que publiquei aqui no site da Problemas Brasileiros, em janeiro, para fazer uma errata. Naquele texto, eu dizia que o cabelo cacheado e a bata branca larga (quase uma túnica) usados por Mark Zuckerberg pareciam ter como referência a estética hippie. Aqui, peço escusas, como diria nosso alvissareiro Sergio Moro. A inspiração estilística do bilionário dono da Meta era, na verdade, o Império Romano, assim como o de inúmeros homens que se sentem estimulados pelo modus vivendi daquela “masculinidade tradicional” dos gladiadores fortes, dos imperadores poderosos e dos exércitos disciplinados. 

Zuckerberg, inclusive, usa frases que aludem ao grandioso (e supostamente indestrutível) Império Romano. Em maio de 2024, na sua festa de 40 anos, ele vestiu uma blusa com a inscrição “Carthago delenda est” (“Cartago deve ser destruída”), o que revoltou vários tunisianos. Já em setembro do mesmo ano, apareceu em um evento com a camisa narcisista “Aut Zuck Aut Nihil” (“Ou Zuck ou nada”), um trocadilho com a frase “Aut Caesar Aut Nihil” (“César ou nada”), atribuída a Júlio César. 

Foi então que a “batalha das camisas” foi iniciada, não por uma mera mortal, mas pela minerva da tecnologia, a sino-americana Lantian “Jay” Graber, CEO da plataforma BlueSky. Ela estampou na camiseta que usava a frase “Mundus sine Caesaribus (“Um mundo sem Césares”). O sucesso foi tão grande que usuários pediram à plataforma que a reproduzisse para venda (eu também quis comprar, mas ainda não enviam para a América Latina).

A resposta simbólica de Graber vem junto a uma crescente percepção geral de que apenas os chineses conseguirão fazer o enfrentamento do tecno-feudalismo red pill protagonizado pelas Big Techs norte-americanas. Vale lembrar que o BlueSky tem sido o “exílio” escolhido de grande parte dos ex-usuários do Twitter pós-compra de Elon Musk. Também podemos aqui ressaltar o fenômeno mind-blowing do DeepSeek.

Em janeiro de 2025, as “Sete Magníficas” da tecnologia (Apple, Microsoft, Google, Amazon, Meta, Nvidia e Tesla) tiveram um acumulado de perdas diárias de nada mais, nada menos que US$ 643 bilhões em valor de mercado. Esse fuzuê todo, que alguns chamaram de “momento Sputnik”, foi desencadeado pela ferramenta de Inteligência Artificial (IA) generativa lançada pela startup chinesa DeepSeek, alimentada pelo DeepSeek-V3, um software de código aberto. O episódio demonstrou como a disputa por hegemonias tecnológicas continua abalando as estruturas globais. Salve, Gramsci! O caso se tornou ainda mais emblemático quando a empresa alegou que havia gastado menos de US$ 6 milhões para treinar o modelo de IA, alcançando um custo-lucro de 545%. 

Isso tornou a situação especialmente irônica para quem observa de fora, já que a OpenAI (norte-americana) e outras empresas anunciavam planos de investir, conjuntamente, US$ 500 bilhões na infraestrutura de IA estadunidense.  A piada recorrente no Brasil é que a DeepSeek tinha conseguido fazer uma ferramenta extremamente eficaz e totalmente competitiva usando apenas clipes, um pedaço de arame, um elástico de dinheiro e um Nokia tijolão, enquanto nos Estados Unidos, rios de dólares estão sendo despejados.

Esse contexto ajuda a entender a persistente guerra que os norte-americanos travam contra o TikTok. Desde governo Trump 1, a empresa chinesa ByteDance, dona da plataforma (lançada em 2016), vem sendo alvo de hostilidades por parte do governo ianque. A tentativa de banimento da mídia social, que é uma das mais usadas do mundo, tem como justificativas alegações de espionagem e risco à segurança nacional estadunidense — motivos esses nunca comprovados. Um ponto importante em toda essa história é que o crescimento acelerado do Tiktok compete diretamente com gigantes como Instagram, Facebook e YouTube. Neste momento, a corte norte-americana decidiu que se o TikTok quiser permanecer operando em solo dos Estados Unidos, terá que ser vendido a uma empresa de lá. Uma decisão, no mínimo, peculiar.

O que fica cada vez mais evidente é que estamos testemunhando uma verdadeira “Tecnoguerra Fria” entre Estados Unidos e China. Interessante? Sem dúvida. Assustador? Igualmente. A única coisa que espero é que todos os líderes se mantenham frios.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.