De cabelo esvoaçante, bronzeado alaranjado com uma ridícula marca de óculos, colar em estilo hippie indicando uma provável crise de meia-idade e portando, como quem não quer nada, um relógio modelo Greubel Forsey Hand Made 1 (que custa R$ 5,45 milhões), o terceiro homem mais rico do mundo (US$ 209,6 bilhões) deu, enfim, uma declaração bastante transparente na última semana.
Mark Zuckerberg, dono da companhia Meta, que abrange três plataformas digitais concentradoras de grande parte da comunicação do mundo ocidental — Facebook, Instagram e WhatsApp —, expôs honestamente o que todo mundo já sabia: a empresa não se dedicará a fazer a moderação dos discursos proferidos nas plataformas, tampouco fará checagem de fatos. Segundo o bilionário, as suas empresas “voltarão às raízes” e se concentrarão em reduzir erros, simplificar processos e “restaurar a liberdade de expressão” nas plataformas. Para tanto, eliminarão os verificadores de fatos e os substituirão por “notas da comunidade”.
O bilionário usou argumentos rasteiros, da extrema direita da mais baixa categoria, para justificar a permissividade de conteúdos e a não proteção dos cidadãos em relação a conteúdos de violência e ódio. Fiquei imaginando Montesquieu dando um “salto Rebeca Andrade” no túmulo quando ouviu Zuckerberg dizer que admitir todo o tipo de manifestação significa “liberdade de expressão”.
Ele citou ainda a rede social X como exemplo. Eu já escrevi a respeito do assunto aqui mesmo, na Problemas Brasileiros, no artigo “O Brasil derruba Elon Musk”, e argumentei como o homem mais rico do mundo tem usado o X para espalhar conteúdos extremistas e ligados à alt-right (ou “direita alternativa”). Zuckerberg comprova que estamos, de fato, testemunhando o fim da era da cultura hacker e libertária do Vale do Silício. Os tempos em que o desenvolvimento tecnológico californiano caminhava, com as possibilidades da ampliação da democracia, da igualdade de acesso à informação e da oportunidade para a sociedade, terminaram.
A verdade é que as grandes da tecnologia norte-americana ganham dinheiro com desinformação e conteúdo de ódio e violência. Como o seu compromisso é com o lucro dos acionistas, aliam-se a quem for necessário para continuar construindo impérios sem se importar com os impactos sociais dos conteúdos postados em suas mídias. Por tudo isso, embora assustem, não surpreendem as novas diretrizes da Meta, que liberam discursos depreciativos contra raça, nacionalidade, origem étnica, orientação sexual e identidade de gênero de grupos minoritários.
O CEO da Meta está em tal estado de afetação que chegou ao ponto de declarar no programa de podcast The Joe Rogan Experience, no último dia 10 de janeiro, que sente falta de “energia masculina” na cultura corporativa, a qual, segundo o próprio, tornou-se muito “neutra”. Em seguida, elogiou os benefícios da agressividade em seus treinos de MMA e jiu-jítsu, afirmando que o melhor é “saber que pode matar uma pessoa”.
Logo após, comentou a respeito da sua paixão por caçar porcos no Havaí. Essa afirmação enlouquecida da própria masculinidade é ou não um caso para se chamar Freud, caro leitor? Para encerrar a patacoada que foi a declaração, Zuckerberg, em uma nítida referência ao Brasil e ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, afirmou que “os países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar empresas para silenciosamente derrubar as coisas”.
Como resposta, nossa Advocacia-Geral da União (AGU) notificou a Meta, solicitando esclarecimentos sobre o encerramento da checagem das informações postadas em suas plataformas e indicando que a lei brasileira deve ser respeitada.
Ainda, é importante que se pontue com acuidade o ideário que tem sido construído pelos bilionários da tecnologia. Esses empresários não querem mais apenas vender produtos e inovar. Essa megalomania está abrumando suas mentes e fazendo com que eles acreditem piamente que são os mais aptos para decidir como a humanidade deve se organizar social, política e culturalmente. Enxergam-se com deuses alinhados ideologicamente à extrema direita.
Esse movimento se acelera ainda mais à medida que a posse de Donald Trump se avizinha, presidente que vem prometendo carta branca para que essas figuras façam o que quiserem. Inclusive, essa postura já foi sinalizada por Trump quando escolheu Elon Musk (X) para coliderar o Departamento de Eficiência Governamental dos Estados Unidos. O que se tem visto é que o “efeito Black Lives Matter”, ocorrido após o assassinato de George Floyd, está sendo neutralizado pelo “efeito Trump”.
Nos próximos quatro anos, será importantíssimo que as justiças nacionais e os tribunais internacionais respondam com firmeza às Big Techs. Caso contrário, um tecnofascismo está fadado a se instaurar.
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