Em 2023, a revista Dados, um dos principais periódicos acadêmicos da ciência política no Brasil, publicou artigo de pesquisadores do Paraná que buscava atualizar a classificação ideológica dos partidos brasileiros. Existem, tradicionalmente, diversos métodos para fazer essa aferição. Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato optaram por uma consulta a mais de 500 membros da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), que espacialmente, classificaram as legendas do País entre 0, simbolizando a posição mais à esquerda, e 10, totalmente à direita. O conjunto de respostas, que espalhou os partidos no espectro ideológico, é bastante utilizado pela academia desde então.
De acordo com o artigo, o tema da ideologia sempre foi tratado de forma secundária no Brasil, sendo que comportamentos eleitorais mais pragmáticos — sobretudo relacionados ao personalismo e à patronagem — têm pesos maiores na nossa realidade. O fenômeno, importante salientar, não seria exclusividade brasileira.
Estudos que tratam de observar a realidade municipal dos partidos no nosso país tendem a arrefecer ainda mais o peso da ideologia na realidade das escolhas locais. Nesse sentido, em linhas gerais, políticos se filiariam a legendas de forma mais pragmática com base nas especificidades conjunturais de cada cidade.
Se isso for verdadeiro, o tema da ideologia se tornaria ainda menos significativo à luz do cotidiano das legendas nacionais, que costumam expor posicionamentos programáticos em documentos e discursos, mas não tendem a replicar esses valores nos afazeres multilocais. Em resumo, cada município teria uma forma distinta de organizar a própria realidade político-partidária diante dos grupos locais. Será?
Contribui para o debate — sobre a complexidade das classificações ideológicas dos partidos brasileiros — a hipótese de que novos entrantes na política seriam ainda mais pragmáticos a ponto de se filiarem a legendas a despeito de suas percepções macropolíticas. As escolhas estariam fortemente concentradas em cálculos puramente eleitorais e conjunturais. Será?
Periodicamente, o RenovaBR, organização do terceiro setor que trabalha com a formação de políticos para o exercício da democracia, realiza uma pesquisa, com seus líderes formados em atividades educacionais, denominada Radar. Em 2025, um grupo de 1.128 políticos responderam ao levantamento. Esse contingente, especificamente, afirmou ter filiação partidária e se posicionou voluntariamente no espectro político, o qual é formado por cinco classificações possíveis: esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e direita.
Analisando os dados obtidos, foi possível tomar o estudo paranaense e dividir os resultados associados às legendas, arbitrariamente, nessas cinco posições utilizadas pelo RenovaBR. Na escala de 0 a 10, consideramos que, de 0 a 3, o partido é de esquerda; entre 3 e 4,5, de centro-esquerda; de 4,5 a 6, de centro; de 6 a 7,5, de centro-direita; e de 7,5 a 10, de direita. Com base nesse exercício, a pergunta que fica é: qual a distância entre a classificação ideológica do partido ao qual o líder RenovaBR está associado, de acordo com o estudo publicado na Dados e a autodeclaração de posicionamento de cada líder?
Se a relação entre a declaração e a classificação partidária fosse “perfeita”, o resultado seria igual a 0, ou seja, não haveria distância entre dizer e estar filiado. E para quem espera absoluta incoerência, este não é o caso de 34% dos respondentes. Isto é, mais de um terço dos políticos que responderam o levantamento está filiado a legendas que pertencem ao espectro ideológico ao qual se percebem de acordo com a arbitrária classificação aqui criada. Com apenas um passo de distância — ou seja, o que equivaleria, por exemplo, a se dizer de direita e estar num partido classificado como “centro-direita” —, outros 43%.
Os resultados mostram, assim, que “nenhuma distância”, ou “uma distância mínima”, em termos de coerência ideológica caracterizam 77% dos políticos entrevistados. Notemos: mais de três quartos das lideranças que participaram da pesquisa contrariam a ideia de que não há ordem entre o posicionamento ideológico dos partidos e seus filiados.
Dois passos de distância — o que poderia apontar certo desprendimento ideológico — caracterizam somente 19% dos participantes da pesquisa, com 4% em três passos e cinco entrevistados em quatro passos. Os exageros caracterizam menos de 5% dos respondentes, o que não parece traduzir um sistema, mas apenas serviria de objeto de exceção para análises de cunho mais sensacionalista.
Em resumo, a reflexão aqui é bastante simples, estando concentrada num conjunto específico de políticos associados a um movimento de renovação. Ademais, busca contribuir discretamente para um debate considerado secundário na ciência política, mas que, sem dúvida, pode ajudar a desmistificar certas percepções apressadas do senso comum — e, até mesmo, contrariar alguns achados científicos.
Detalhe, vamos voltar nesse assunto em outros textos, salientando que algumas hipóteses poderiam ser aprofundadas a partir desses achados, como: a) o cenário não é tão incoerente na política quanto se imagina; e b) as lideranças do RenovaBR, formadas politicamente, podem demonstrar preocupação com a coerência ideológica acima da média.
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