Em meu último texto publicado neste espaço coletivo de cientistas políticos, busquei demonstrar o quão complexa é a decisão sobre o uso de aparelhos de telefone celular em sala de aula pelos alunos. O intuito era repercutir os debates sobre a proibição desses dispositivos no ambiente escolar, sobretudo em instituições dos ensinos infantil, fundamental e médio.
Naturalmente, o debate se espraiou para o ensino superior — e algumas faculdades terão de impor restrições a pessoas adultas. O meu texto dizia exatamente algo sobre isso: professores, servidores públicos e profissionais de diversas áreas do universo dos negócios que tenham acesso ao celular nos cotidianos laborais estão preparados para desintoxicar? O uso da última palavra antes da interrogação é intencional, pois estamos diante de um vício e, como tal, devemos medir as suas consequências. No entanto, também precisamos reconhecer que é difícil demais parar com algo do tipo.
A sociedade já passou por outras discussões associadas a proibições que causaram profundos debates. O uso obrigatório do cinto de segurança, o impedimento ao fumo em áreas fechadas e as acentuações às restrições ao álcool para a condução de veículos. Percebe? Com base nesses impasses, a faculdade na qual coordeno um curso de graduação reconheceu que o celular atrapalha demais a performance dos estudantes. Diante dessa questão, duas possibilidades foram postas sobre a mesa: impor uma decisão da direção com base em estudos e percepções da realidade, ou reunir os estudantes em busca de uma solução conjunta.
Trago aqui o resultado da segunda alternativa. Aparentemente, não estamos discutindo o que será imposto aos estudantes como uma ofensa absoluta ao seu mundo. A boa notícia: estamos todos juntos diante do fenômeno, o que representa dizer que não há como imaginar que as gerações sejam tão diferentes a ponto de uma dizer que não vive sem o celular, enquanto a outra impõe proibições ao seu uso.
O que veio dos estudantes do segundo ano? A discussão se dividiu em três partes. A primeira é diagnóstica — de acordo com os jovens, o uso do celular vicia, atrapalha muito o indivíduo, impacta de alguma forma o coletivo e desrespeita propósitos e princípios. A despeito dessa condição, deixar de usá-lo é um desafio complexo, pois o formato de restrição não tem resposta pronta e exige alteração comportamental, ou seja, trata-se de uma questão que mudará a cultura de um coletivo. A isso damos o nome de problema complexo. Mudar, aqui, dará sentido de perda no curto prazo. E isso é o que mais nos testará.
A segunda parte está associada às soluções. A primeira delas é unânime: o fone de ouvido está banido, mas isso é óbvio demais. A solução mais branda: celulares no silencioso, em cima da mesa, em frente a cada um, tela voltada para cima para que emergências possam ser capturadas, mas nada de ter o aparelho nas mãos. Em resumo, o medo da perda ainda coloca o estudante com a esperança de poder olhar para a tela para arrefecer catástrofes externas. Na terapia, isso seria visto como um símbolo absoluto de ansiedade — e o surgimento de crises dessa natureza é esperado.
Para as gerações mais maduras, isso não faz sentido. Lembrando que, antes dos anos 2000, nem sequer tínhamos telefones para levarmos para a sala. E aqui a resposta é essencial. Os próprios estudantes de hoje disseram que o fluxo de bilhetinhos escritos vai aumentar. Isso as gerações mais antigas não podem negar que faziam. O bilhetinho de ontem é o WhatsApp de hoje? Não. O celular é muito mais potente, pois o bilhete é apenas uma forma de se conviver, erradamente, no interior de um coletivo, enquanto a tecnologia transporta quase para o infinito.
A mais intensa das alternativas apresentadas: celulares deixados sobre uma mesa na entrada da sala. Todos. No silencioso. Contato com o aparelho apenas a cada duas horas, nos intervalos. Radical? Alguns entendem que sim, mas aí surge um ponto interessante — a opção de começar pela resposta mais branda e derivar para a mais intensa em caso de descumprimento em larga escala. O coletivo se compromete, e se não cumprir, perde. Isso é razoável? Eu gosto.
A última questão está associada a solicitações diante das restrições, e aqui também aprendemos muito quando ouvimos o coletivo. Os estudantes pedem que algumas aulas sejam mais atraentes. Alegam, e isso pode ser infundado, que alguns docentes não os trazem para a discussão e para as aulas. Querem ser mais provocados para esquecerem que o aparelho existe. Mas dá para competir? O quanto os docentes estão preparados para brilharem sempre, mais do que o celular? Todas as disciplinas e todas as aulas permitem isso? Definitivamente, o desafio do ensino e da aprendizagem será sacudido demais por essa percepção. Aqui, o estudante reconhece que se atrapalha com os instrumentos do século 21, mas pede que alguns professores saiam do século 15. Excepcional situação — inclusive para este que aqui vos escreve.
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