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Real, 30 anos: da superindexação ao controle da inflação

Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).
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Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).

No dia 1º de julho de 1994, uma das etapas fundamentais do plano que tinha a ambição de acabar de vez com a inflação foi posta em prática: a partir daquela data, estipulou-se que um real equivaleria a uma Unidade Real de Valor (URV), que, por sua vez, equivalia a 2.750 cruzeiros reais. A moeda do Brasil passou a ser o real.

Gestado desde meados de 1993, o Plano Real mudou o cenário de uma inflação que, no acumulado em 12 meses, chegou a 4.922%, em junho de 1994, às vésperas do lançamento da nova moeda. Essa mesma inflação, que encerrou 1994 aos 916%, caiu para 22% já em 1995. Desde então, mesmo com as diversas crises internas e externas com potencial de desestabilizar a economia, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — indicador oficial de inflação — poucas vezes passou dos 9% ao ano (a.a.).

A importância do programa pode ser avaliada a partir do período anterior à sua implantação, caracterizado por um quadro de total descontrole inflacionário, com o ritmo de crescimento anual dos preços registrando taxas superiores a 2.400% (IPCA em 1993). O cenário de inflação elevada trazia consigo uma série de malefícios à economia: deterioração da distribuição de renda, perda de capacidade de compra, retração dos investimentos pela impossibilidade de planejamento, mudanças constantes de preços — impedindo alocação eficiente dos recursos — e assim por diante.

Embora a correção monetária estivesse presente no período de hiperinflação (quando a taxa mensal supera 100%), nem todos os agentes econômicos conseguiam se defender da alta dos preços, principalmente os de menor poder aquisitivo. Além disso, ao mesmo tempo em que permitia um convívio mais “pacífico” com essa alta, a correção monetária impedia a redução da inflação, na medida em que, ao se criar um piso a partir do qual a tendência da inflação era sempre subir, a própria retroalimentava o avanço dos preços. 

O Plano Real é, sem dúvida, a mais bem-sucedida experiência de combate à inflação da história recente do Brasil. O programa foi estruturado com o intuito uma superindexação prévia dos preços, com reajustes diários pela URV de forma a alinhar os preços relativos. A etapa seguinte consistiu na reforma monetária, por meio da introdução da nova moeda, o real, em substituição à URV. Com a extinção desse índice, não havia mais indexador, e os preços passaram a ser cotados, no mesmo montante, em reais. Assim, procurava-se quebrar o mecanismo de indexação sem os traumas do congelamento. Além disso, para dar suporte legal à indexação, ficava proibido qualquer reajuste de contrato inferior a um ano, o que vigora até hoje. Adicionalmente, procurava-se aumentar a concorrência interna com a expansão das importações.

O sucesso do Plano Real em reduzir a inflação pôde ser medido já pela queda da taxa mensal da inflação — de 46,6%, em junho de 1994, para 1,5%, três meses depois. Estruturalmente, a despeito de algumas oscilações, há sucesso no controle da inflação nos últimos 30 anos. E os efeitos positivos sobre a economia foram amplos: redução do risco País, maior atratividade ao capital estrangeiro, aceleração do ritmo de crescimento da atividade econômica e melhoria no perfil de distribuição de renda, com redução do índice de Gini nos anos seguintes. 

Aqui, é importante observar que o Plano Real trouxe mudanças significativas no ambiente econômico brasileiro, como aumento da concorrência, com maior abertura comercial e a própria redução da inflação tornando os preços mais transparentes; mudanças na propriedade do capital, com redução da participação das empresas estatais em decorrência das privatizações e do aumento da participação do setor privado, principalmente estrangeiro; maior concentração de mercados para obtenção de ganhos de escala e competitividade; e mudanças na estrutura de produção, com a eliminação do imposto inflacionário e retorno do crédito com prazos mais amplos.

A experiência de implantação do real e sua vigência por tão longo período permitem extrair uma série de conclusões: a) congelamento de preços é sinônimo de fracasso como política de combate à inflação; b) maior abertura da economia ao exterior pode ser fator importante para reduzir a inflação e acelerar o crescimento; c) irresponsabilidade na condução da política monetária, com a prática de juros irrealistas, impacta inevitavelmente a inflação — nesse sentido, a independência do Banco Central é fundamental no processo de controle da inflação e a fixação de metas decrescentes pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) vem contribuindo para aproximar as taxas de inflação no Brasil dos padrões internacionais; e d) a condução da política fiscal de forma a estabilizar/reduzir a relação entre dívida/PIB é condição indispensável para a manutenção de taxas de inflação em patamares baixos por um período de tempo mais longo. 

Com tudo o que se viu na economia brasileira nas últimas três décadas, as análises econômicas se referem, frequentemente, a um “antes e depois” de 1994. Em outras palavras, pelo seu sucesso, o Plano Real é um divisor de águas da economia nacional.   

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