Na obra Futuro passado (Contraponto, 2007), o historiador alemão Reinhart Koselleck afirma que a modernidade instaurou uma ideia diferente da relação entre futuro e passado, uma temporalização da história em cujo fim se encontra uma forma peculiar de aceleração do tempo. Nasce, nesse período, uma caracterização do moderno como uma nova fase em que a humanidade havia entrado, em que as expectativas se distanciavam cada vez mais das experiências, o passado já não podia ser visto como espaço de conhecimento prévio e o futuro não podia ser antecipado pelo presente.
Aparece a perspectiva do progresso que funda, no imaginário coletivo, a possibilidade de perfectibilidade que, antes, só era possível no tempo divino. Robespierre, citado por Koselleck (2006), enxergava a aceleração do tempo como uma causa humana que possibilita a introdução da felicidade e da liberdade, num tempo contínuo de aperfeiçoamentos moral e político da humanidade. A crença na marcha irreversível do progresso humano era, assim, parte integral do modo como a modernidade vivia e apreendia o tempo histórico.
No fim do século 19, no entanto, começou um lento divórcio entre progresso e perfectibilidade humana. Se antes o progresso referia-se ao aprimoramento da autonomia moral e política dos indivíduos e ao aumento da igualdade social, o mesmo passa a significar crescimento econômico, avanços tecnológicos e consumo em larga escala nos países centrais do capitalismo. Ou seja, o progresso abandonou as promessas de emancipação humana e acaba resultando no exato oposto, a apropriação da força vital da humanidade por uma minoria.
Essa lógica intrínseca ao capitalismo vai produzir a crença de que a modernidade só pode se manter estável se estiver em processo de aceleração contínua e irrefreável. Para o filósofo alemão Hartmut Rosa, em Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna (Editora Vozes, 2022), a dinâmica da modernidade é semelhante à de uma bicicleta, capaz de se manter em pé apenas enquanto se move e tão estável no seu movimento quanto mais rápido viaja — ainda que esse aumento de velocidade também incremente o risco de sofrer um sério acidente global (exaustões climática e ecológica) ou individual (burnout, exaustão psicológica).
Mas se a aceleração do tempo produzida pela modernidade produzia a crença na projeção de um futuro com mais qualidade ao longo da vida e das gerações. Com investimentos pessoais e sociais intensos na educação, por exemplo. Depois dos anos 90, com a chamada modernidade tardia, segundo Rosa, perdemos a sensação de que se mover para frente trazia avanços qualitativos para a vida humana. E até a sensação de se movimentar para frente foi perdida. Como se perdêssemos o sentido de futuro. As gerações do presente não parecem convictas de que terão uma vida melhor do que seus pais e avós. Pelo contrário, para muitas pessoas, as coisas voltaram a ser como antes do período moderno: elas não sabem o que o amanhã trará.
É como se os efeitos da declaração de Francis Fukuyama em no artigo “O fim da história” (1989), tocassem fundo nos nossos corpos. É lógico que não sentimos só o efeito das palavras. Antes mesmo dessa declaração, mercados foram desregulados, novas formas de divisão internacional do trabalho foram forjadas para produzir just in time mais precarização laboral. O cyberespaço foi criado e o patenteamento de sementes e a comoditização da vida aumentaram a estrutura da própria aceleração através do que chamam de inovação
Com base nessa estrutura, o mundo inteiro precisou se dinamizar — pessoas, dinheiro, bens, comunicação, natureza. Todos são postos em um movimento incessante. A mudança social e sua aceleração comprimem o tempo presente, e um outro ritmo de vida precisa ser adaptado para se sincronizar com o novo ritmo do mundo. No âmbito dessa aceleração, observamos que as vivências não deixam rastros e que a memória não se integra às identidades individuais, pois obedecem a uma temporalidade alheia aos fluxos subjetivos. As dimensões da aceleração e as mudanças social e do ritmo da vida, reforçam-se mutuamente. Por isso, o medo constante de perder oportunidades e a compulsão à adaptação se tornam motores da força de inovação — e a luta por reconhecimento social vai estimular uma lógica de concorrência e de guerra social “por baixo”.
Esse contexto gera, para Rosa (2022), um estado de alienação, no qual os sujeitos são obrigados a perseguir objetivos e adotar comportamentos que, na realidade, não julgam, de fato, positivos ou coerentes com os anseios reais. Como essa força coerciva é internalizada pelos próprios sujeitos, teriam a sensação de desfrutar de “liberdade” para fazer as “próprias” escolhas.
No entanto, também sentem que as vidas estão estagnadas e suas identidades são situacionais e carentes de projeção no tempo. Essa ausência de horizontes é inerente a uma aceleração que não chega a lugar algum — e só continua porque as pessoas sentem a necessidade de continuar acelerando. Afinal, estar fora da aceleração significa queda social (dessincronização).
Evidentemente, esse processo de aceleração produz adoecimentos psíquicos variados nos indivíduos, pois provoca uma cisão entre sujeito e experiência. De um ponto de vista geral, a própria política (no sentido da pólis) se torna descompassada, já que essa aceleração vai no sentido de desintegração social das formas humanas de estar no mundo. A aceleração tecnológica coexiste com uma percepção de escassez temporal.
Apesar dos avanços, as pessoas se sentem pressionadas a crescer continuamente para evitar retrocessos. Ironicamente, essa busca incessante por mudança e inovação resulta em estagnação existencial. Assim, a autonomia individual é suplantada por imperativos externos, internalizados como autodeterminação.
Nesse sentido, há aceleração, mas com estagnação. Ou seja, a despeito do enorme avanço técnico na produção, no transporte e na comunicação, as pessoas parecem enfrentar continuadamente uma escassez temporal. A boa vida parece depender de uma conquista de algo que está previamente interditado. Resta então aceitar a dinâmica de ter que pular um degrau para cima para não despencar quatro degraus abaixo.
A necessidade de crescimento é permanentemente posta sobre você. Hoje, amanhã e depois de amanhã, a urgência de que devemos crescer, inovar e mudar nunca desaparece. Paradoxalmente, tudo parece mudar, mas nada a respeito da forma de viver pode ser realmente mudado. O seu próprio desejo de autonomia é substituído por vozes de comando absurdas. E a obediência assume a forma de um comando que você impõe “livremente” a si mesmo.
Diante de uma era de expectativas decrescentes na qual o futuro se aproxima do presente, a política se reduz a uma gestão de segurança policial. E a acumulação acelerada apenas multiplica os regimes de controle dispostos à beira do abismo, ainda que compulsoriamente. Assim exige a lógica da valorização: estende indefinidamente a fronteira autodestrutiva da predação.
Os sintomas que expõem os limites dessa aceleração-repetitiva têm exaustivamente aparecido e, mesmo assim, a negação sistemática e delirante de que tudo deve continuar do que jeito que está, de que a vida é assim mesmo e de que só os fortes e adaptados devem sobreviver, é constantemente, e cotidianamente afirmada. Muitos cientistas nos apontam os limites da exaustão do mundo. Na obra O decênio decisivo (Editora Elefante, 2023), o professor Luiz Marques fala sobre a nossa sobrevivência física no planeta. Outro dia, até um robô “desmaiou” após trabalhar 20 horas, ininterruptas, em uma feira de logística nos Estados Unidos. Resta saber quando vamos escutar e compreender as necessidades política, física e lógica de sincronicidade com um tempo que não o do relógio da Bolsa de Valores de Wall Street.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.