Do Brasil popular a ícone internacional

23 de agosto de 2024

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A inspiração veio do outro lado do mundo. Foi em 1962 que uma fábrica de calçados na Mooca, em São Paulo, viu nas tradicionais sandálias japonesas fabricadas com palha de arroz a referência para um inventar aquilo que se tornaria um clássico nacional: as Havaianas. Não é à toa que a textura da palmilha do chinelo faz alusão aos grãozinhos de arroz presentes na inspiração nipônica. Feito de borracha, material barato e durável, o novo calçado logo se espalhou, caindo no gosto popular, sobretudo das classes mais pobres. O sistema eficiente de venda ajudou na missão: naquele Brasil de 60 anos atrás, vendedores enchiam suas Kombis com os chinelos e rodavam o País de cidade em cidade. 

De acordo com a marca, que pertence ao grupo Alpargatas, o produto foi patenteado em 1966. “Sim, Havaianas inventou o chinelo de dedo de borracha”, argumenta a companhia, no site oficial. “As Havaianas são tão marcantes que seu desenho foi patenteado como um calçado inédito, descrito como ‘um novo tipo de sola com alça’.” — daí a ideia do slogan “As legítimas”. Originalmente, o calçado existia apenas na versão que, hoje, é considerada a mais básica, com solado branco e tiras em azul-claro. Em 1969, um erro na fabricação lançou modelos com tiras verdes — e foi um sucesso. Não demorou muito para a empresa acrescentar também ao portfólio as cores preta e amarela. 

Na visão do publicitário e administrador de empresas Marcos Bedendo, professor de Branding na Escola Superior de Propaganda de Marketing (ESPM), a história da Havaianas parte “da percepção da empresa de que a marca, do jeito como estava, ou não sobreviveria ou não haveria interesse em manter daquele jeito”. Àquela altura, o produto era percebido como “de pobre”. A partir dos anos 1990, então, veio a reviravolta “pop”. Valeu o tino marqueteiro é, claro. “Foi um insight: observando o uso das Havaianas pelos jovens cariocas, especialmente os surfistas, que viravam o solado colorido para cima, criando um modelo monocromático”, conta Bedendo. Posteriormente, vieram as versões de cor única e, em seguida, as estampadas — a primeira, de 1995, trouxe motivos florais. Hoje, há até licenciamentos com reproduções de obras de arte como Abaporu, de Tarsila do Amaral (1886–1973).  

Ao transcender o nicho de mercado original, a marca conseguiu se reposicionar. A tática fazia sentido. Com a chegada de concorrentes mais baratos, as classes menos abastadas passaram a ter outras opções. Mirando num público de maior poder aquisitivo, a Havaianas conseguia uma nova fatia do mercado. Bedendo ressalta, contudo, que a empresa jamais deixou de oferecer modelos mais simples a preços populares. Nesse ponto, a companhia apostou num fator construído ao longo de décadas: a reputação de que o produto era durável.

No bonde da Copa…

Já a ideia de inserir a bandeirinha brasileira na tira, que segue presente em muitos modelos, surgiu no meio do ufanismo da Copa do Mundo de 1998, quando a marca lançou uma versão em verde e amarelo. No fim dos anos 1990, a Havaianas fincava os pés — com tiras de borracha, evidentemente — no mundo da moda. Em 1999, o estilista francês Jean Paul Gaultier apostou nos modelos usando os brasileríssimos nos pés para atravessar a passarela durante um desfile. “A trajetória da Havaianas é um exemplo de construção de uma relação duradoura entre marca e consumidor. A capacidade de transformar um produto simples em símbolo de identidade cultural demonstra a força do branding em estabelecer conexões emocionais”, a fashion designer Cacau Claudia Martins, professora de moda da Universidade Anhembi Morumbi.

Segundo ela, a marca, por se “adaptar às demandas de um mercado em constante mutação, mas sem perder de vista os valores fundadores”, foi capaz de construir uma narrativa que ressoa com diferentes públicos, consolidando a sua posição no mercado. “Vale destacar que estamos falando de uma marca totalmente nacional que fez um produto único, que não se influenciou por outros países e se manteve fiel ao conceito”, enfatiza Cláudia. O item acabou virando um ícone mundial de brasilidade — desde o fim dos anos 1990, passou a ser muito comum reconhecer um brasileiro fora do País pelos pés. “E esse é o espaço que a marca tem até hoje, entrando em um circuito mais pop da moda global, mas sempre como um elemento um tanto exótico. Dá uma quebra no visual justamente pelo inusitado”, conclui Bedendo, da ESPM.

… E das Olímpiadas

Mais uma vez na França, desta vez nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, foi a vez da delegação brasileira, composta por mais de 200 atletas, vestir o símbolo de moda e brasilidade durante a cerimônia de abertura. Para as Paralimpíadas, que começam no dia 28 de agosto, a Havaianas vai apresentar uma nova sandália desenvolvida em cocriação com paratletas e com o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). O calçado, projetado para atender ao maior número possível de pessoas (com ou sem deficiência), passará a integrar o portfólio permanente da marca no Brasil. Além disso, parte das vendas do produto será revertida para o CPB.

A parceria da empresa com a entidade começou em 2020, com o patrocínio em Tóquio. Agora, a marca, assim como nos Jogos Olímpicos, também estará em companhia dos paratletas fazendo parte do uniforme oficial da delegação brasileira, que vai estrear a nova sandália na cerimônia de abertura das Paralimpíadas em Paris.

Edison Veiga Débora Faria
Edison Veiga Débora Faria