É difícil encontrar uma cozinha brasileira que não tenha um artefato plástico que funciona como uma bacia conjugada, sendo o lado maior impermeável e o menor vazado como uma peneira. Trata-se do escorredor de arroz — ou, como a inventora batizou, o “lavarroz”. Pois é isso: o trivial utensílio foi criado por uma brasileira.
Em 1959, a cirurgiã Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich tinha 28 anos e, recém-casada, estava cansada do desperdício diário no processo de lavar o cereal. Como todo mundo fazia até então, ela usava uma bacia e uma peneira para a operação. No fim do processo, restava o ralo da pia cheio de grãos que escapavam do vaivém desajeitado entre os dois instrumentos.
Então, Therezinha teve um lampejo: por que não criar um item que, como conchas entreabertas, reunisse, em si só, as propriedades de contenção da bacia e de vazão da peneira? Pensou no formato e contou com a ajuda do marido, o engenheiro Sólon Ribeiro Zorowich, para desenvolver um protótipo em papel alumínio. No dia seguinte, registraram o invento.
Pouco tempo depois, negociaram com uma fábrica de utensílios plásticos e emplacaram a ideia industrialmente. O resto é história: calcula-se que, em 1964, o lavarroz já estava presente na maior parte dos lares brasileiros.
Especializada em comportamento do consumidor, a psicóloga Gisela Schulzinger, professora na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e membro do conselho do Centro Brasil Design, avalia que o sucesso da invenção decorre da praticidade e da maneira como resolve de maneira simples um problema cotidiano. “Há todo um contexto de realidade cultural que determina como aquele produto será utilizado. No caso do escorredor, é a dinâmica da cozinha da maioria das famílias”, comenta. “E é uma necessidade, porque o arroz, no contexto brasileiro, é algo preparado quase todo dia”, destaca.
Em artigo acadêmico publicado em 2023, a designer polonesa Anna Treska-Siwon, pesquisadora na Universidade Europeia Tischner, de Cracóvia, Polônia, elogia a simplicidade e a funcionalidade do lavarroz. E aponta porque o invento, tão popular no Brasil, não pegou em terras estrangeiras. “O objeto é desconhecido na Europa, com exceção de Portugal, parcialmente por conta da diferença na cultura culinária. Preparar arroz no Brasil é algo especial”, afirma. “A diferença crucial é o tempero brasileiro, mas lavar o arroz também é algo desnecessário em muitas outras cozinhas”, detalha.
Anna acrescenta que “a popularidade do arroz é bem grande na culinária brasileira”, já que ele “pode ser consumido inclusive com outros carboidratos”. Na Europa, no entanto, compete com batatas e massas, observa a pesquisadora.
Ao menos no Brasil, o lavarroz tornou-se indispensável. De acordo com Gisela, o item é mais do que uma invenção — representa uma inovação. “Inovação pressupõe ter uma ideia e de fato aplicá-la. Senão, é apenas uma invenção”, compara. “No caso do escorredor de arroz é claríssimo: apareceu um problema e o produto trouxe a solução. E veio no caminho da simplicidade do pensamento, da solução mais simples, que, geralmente, é a que tem mais sucesso”, analisa.
Afinal, para usar o escorredor de arroz não é preciso grandes conhecimentos ou entendimento de como manuseá-lo. “Quanto mais intuitivo, melhor o resultado”, explica Gisela.
Hoje, com a evolução do beneficiamento dos grãos pela indústria e a popularização de conhecimentos culinários — especialmente com chefs nas redes sociais e realities shows de gastronomia —, o hábito de lavar o arroz vem se extinguindo e o objeto pode não estar mais tão presente no preparo diário das refeições. Mas a lembrança de mães e avós usando o escorredor é, provavelmente, tão gostosa quanto arroz com feijão feitos em casa.