Se você já participou de uma festa de aniversário em outro país, pode ter sentido uma certa decepção na hora de “cantar o Parabéns”. Se no Brasil, a musiquinha tem quatro versos diferentes — repetidos uma vez — e costuma ser finalizada com acréscimos bem-humorados, no resto do globo, o que vigora é a mera tradução da versão original: quatro vezes “Parabéns para você”, sendo que, na terceira, o nome do homenageado é acrescentado. Em muitos lugares, nem as palmas são de praxe. E a melodia pode ser tão animada quanto um velório.
Para entender como foi que a canção ganhou tempero e sotaques próprios por aqui, é preciso voltar no tempo. “A música chegou aqui ainda cantada em inglês, no final da década de 1930”, conta o professor e pesquisador Fernando Pereira, especialista em cultura brasileira na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A melodia nasceu nos Estados Unidos, composição das irmãs Mildred e Patricia Smith Hill, professoras de uma escola primária em Louisville, no Kentucky. A letra não tinha a ver com aniversário. Era uma repetição de “good morning to all”, ou seja, “bom dia a todos”. Conforme conta o jornalista Marcelo Duarte na obra Parabéns a você! (Panda Books, 2022), em 1924, o músico Robert H. Coleman lançou um livro de partituras chamado Celebration Songs e, ali, incluiu a criação das professoras, alterando a letra para “happy birthday to you”.
Aos poucos, a ideia pegou entre os norte-americanos, sobretudo depois que a peça teatral Happy Birthday to You foi encenada na Broadway, a partir de 1933. Dali, a canção foi ganhando o mundo — e chegou ao Brasil. “Durante as festas, as famílias ricas preferiam cantar o ‘Happy Birthday’, em inglês”, salienta Duarte.
Isso começou a incomodar os defensores da cultura local. Então, o cantor e radialista carioca Henrique Foréis Domingues (1908 – 1980), mais conhecido como “Almirante”, decidiu promover um concurso, no seu programa da Rádio Nacional, para o Brasil ter sua própria canção de aniversário.
A vencedora foi uma dona de casa de Pindamonhangaba (SP), Bertha Celeste Homem de Mello (1902–1999). Duarte entrevistou a neta única de Bertha para checar todas s informações que constam como apêndice do seu livro, uma obra de ficção inspirada na história. “Quando venceu o concurso [em 6 de fevereiro de 1942], Bertha estava prestes a completar 40 anos”, situa o jornalista. “Gostava de contar que a ideia brotara em apenas cinco minutos. E um de seus funcionários levou a carta com os versos até aos Correios.” Ela usou um pseudônimo: Léa Magalhães. A letra original dizia assim: “Parabéns, parabéns/Nesta data querida/Muita felicidade/Muitos anos de vida”.
O concurso teve honra e pompa. “O júri, formado por membros da Academia Brasileira de Letras, se debruçou sobre cerca de 5 mil cartas propondo as letras em português”, salienta Pereira. Segundo ele, os jurados a escolheram “principalmente por trazer versos diferentes para cada linha, em vez de repeti-los, como na versão norte-americana”, completa o professor. “Foi bacana, porque ela [Bertha] criou uma coisa um pouco diferente dos americanos. E a música não foi simplesmente traduzida, como os outros países fizeram”, comenta o jornalista Duarte.
A primeira gravação da canção em português ocorreu em 1944, pelo grupo Milionários do Ritmo. Conforme conta Duarte, a autora não gostou, porque a gravadora decidiu alterar o primeiro verso, “parabéns, parabéns”, para “parabéns a você”.
Palmas de celebração
Contudo, o “Parabéns brasileiro” não se resume à quadrinha de Bertha. Por tradição, no mínimo, há uma segunda parte — a do “é pique, é pique”. Aí, provavelmente a explicação está em farras estudantis dos alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). “Há alguma controvérsia quanto a isso. Estudiosos apontam que uma das possíveis origens para o bordão surgiu entre os alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na capital paulista, que eram convidados para festas de aniversário e utilizavam bordões de costume para animá-las”, contextualiza Pereira.
“O bordão seria uma colagem de diversos outros usados pelos estudantes. Por exemplo, o ‘pic-pic’ se referia a um dos estudantes que mantinha consigo uma tesoura para aparar a barba e o bigode. Já o ‘rá-tim-bum’ teria se originado do nome Timbum, um rajá indiano que havia visitado a faculdade”, acrescenta. Mas o professor lembra que o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa afirma que “rá-tim-bum” é uma onomatopeia que imita o som emitido por uma bandinha de circo ou uma fanfarra quando quer chamar a atenção sobre o encerramento de um espetáculo.
Sobre as palmas — ou o fato de estas não serem comuns em outras partes do mundo —, Pereira ressalta que não existem estudos que expliquem o hábito. Segundo o professor, “alguns acreditam que as palmas representam as velas do bolo de aniversário, sendo uma forma simbólica de apagá-las e fazer o pedido. Outros associam as palmas ao ato de brindar, simbolizando a alegria e a celebração da vida. Eu, por ser estudioso da cultura brasileira, notadamente cultura popular, tendo a acreditar que esse bater de palmas tenha origem nos cantos populares de origem africana”, diz. Ele cita o samba de roda da Bahia que “marca o ritmo com o bater de palmas” e a catira, gênero musical paulista, que também “faz marcações rítmicas com esse ato”.