A taxa de desemprego no País caiu para 6,9% no segundo trimestre de 2024. Desde abril — quando entrou na casa dos 7% —, esse dado se mantém no menor patamar dos últimos dez anos. No entanto, embora o mercado de trabalho esteja crescendo de forma substancial, ainda esbarra em condições problemáticas, como baixa remuneração, informalidade e vínculos precários: dois terços das pessoas exercem funções com baixos salários e alta rotatividade, e para o restante — de profissionais qualificados —, a bonança não vem tão forte. Especialistas alertam que os problemas estruturais do mundo do trabalho persistem, como informalidade e vagas de baixa qualificação. Este é o tema de capa da edição 483 (out/nov) da Revista Problemas Brasileiros.
Na reportagem, “A nova cara do trabalho”, trazemos a história do engenheiro soteropolitano Igor Brito Correia Andrade, de 27 anos. Ao terminar a graduação em 2020, em meio à pandemia de covid-19, ele logo começou a trabalhar na área, mesmo em um contexto adverso. Mas a experiência durou pouco: apenas nove meses depois, o ainda recém-formado ficou desempregado. Tentou se recolocar, mas sem sucesso. Viu-se, então, obrigado a procurar outro meio de garantir sustento — desde abril de 2022 trabalha como motorista de aplicativo na capital baiana. “A falta de experiência faz com que os salários oferecidos sejam muito abaixo do que o que ganho atualmente como motorista”, afirma, ao ponderar que não pretende mais procurar uma vaga na área em que se formou. “Penso mais em usar o ensino superior para prestar concursos públicos”, ressalta.
Batizada de “uberização” pelos acadêmicos da Sociologia do Trabalho, essa é uma das caras do atual mundo do trabalho, que vê um progresso importante dos indicadores de desemprego, mas sofre com a qualidade das ocupações e dos vínculos ofertados, de acordo com os especialistas ouvidos pela PB.
Se, em 2020, vivíamos um recorde de pessoas desempregadas, chegamos a 2024 com outro cenário, mas ainda frente a um problema grave e crônico no Brasil: a informalidade. Um funcionário que se declare ocupado não necessariamente tem o carimbo na carteira — ou, ainda, mesmo que o tenha, às vezes é preciso recorrer aos “bicos” para complementar a renda.
Segundo o professor José Pastore, presidente Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a má qualidade do emprego está na raiz do problema, ao passo que faltam ao trabalhador, além de qualificação formal, habilidades como concentração, repertório, comunicação e intimidade com a tecnologia. Afinal, 75% da força laboral têm, no máximo, o ensino médio. Na prática, o que o sociólogo explica é que, para além de como o mundo do trabalho brasileiro se constitui, também surgiram novas formas de trabalhar que, em sua maioria, não se encaixam na CLT.
Adriana Beringuy, coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reforça que a população formal vem crescendo em ritmo maior que a informal. Entre o primeiro e o segundo trimestres, os informais cresceram 1%, enquanto os formais, 2%. No entanto, ainda que Pastore reconheça que a formalização esteja avançada, ele ressalta que grande parte dos novos cargos é de baixa remuneração.
Segundo Lúcia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), é fato que o Brasil tem recuperado engajamento, mas a degradação das relações prejudicou o mercado de trabalho por anos. A economista avalia que, a partir da Reforma Trabalhista, houve uma espécie de “estabilidade ruim” e, em seguida, veio a pandemia, que freou de forma brusca a atividade econômica. Isto é, para ela, somente agora estamos recuperando os patamares de 2015.
Educação e desigualdade
Ao longo de mais de quatro anos, o Plano Nacional da Educação (PNE) 2014–2024 foi desenvolvido, de forma participativa, com contribuições de diversos segmentos da sociedade, adotando uma abordagem mais humanizada, inclusiva e cidadã. Oficialmente com o peso de lei, oferecia proposta expansionista para que o sistema de ensino fosse, de fato, universalizado. Dez anos depois, chega o primeiro balanço de como a Educação nacional absorveu esses preceitos. Infelizmente, sem surpresa, a lei não foi cumprida. Ainda assim, mesmo que o Brasil tenha fracassado, na última década, em atingir esses objetivos, especialistas em política educacional ouvidos pela PB defendem que a existência dessas diretrizes, por si só, seja um avanço importante, pois serve de bússola e roteiro para os esforços na área. Confira na reportagem “Pequeno progresso, grandes tropeços”.
Uma educação precária não falha apenas com os estudantes, mas com toda a sociedade, e é variável fundamental na equação do que gera a desigualdade. Autor do livro Extremos: um mapa para entender as desigualdades no Brasil (Editora Zahar), o economista Pedro Nery é o entrevistado desta edição. “Ainda não temos uma política nacional integrando educação, saúde e assistência para famílias na primeira infância, que é onde sabemos que a pobreza está muito concentrada”, afirma.
Na avaliação de Nery, a Constituição de 1988 deu condições para que vivêssemos um período de avanços relevantes, principalmente na Saúde e na Educação. “Até a pandemia, tínhamos reduzido a pobreza pela metade e a extrema pobreza a um terço”, exemplifica. Aí está o “copo meio cheio”. Por outro lado, ainda não conseguimos superar as profundas disparidades entre as classes sociais. “O ‘copo meio vazio’ é este: uma desigualdade que persiste”.
Consumo de energia da IA e audiovisual brasileiro
Já é fato consolidado que a Inteligência Artificial (IA) otimiza processos e economiza recursos. Mas mantê-la ativa pode virar um peso enorme sobre o consumo global de energia. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a demanda por eletricidade vai dobrar até 2026 em decorrência dos data centers ligados 24 horas por dia, sete dias por semana, para sustentar as operações de mineração de criptomoedas e da IA.
Em 2022, essas tecnologias representavam perto de 2% da necessidade global de eletricidade, cerca de 460 terawatts-hora (TWh). A AIE calcula que esses novos “vilões” (data centers, IA e criptomoedas) podem representar 1.050 TWh até 2026, o dobro de toda a energia consumida pelo Brasil inteiro em um ano (506 TWh). Este é o tema da reportagem “O paradoxo da Inteligência Artificial”. Especialistas como Carlos Nobre, um dos mais importantes cientistas do clima no País, pesquisador no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), debatem a questão e apontam soluções para suprir a demanda global de forma sustentável. Nesse sentido, o Brasil, com uma matriz energética predominantemente limpa, ganha protagonismo.
Outro tema abordado na nova edição da PB é a produção audiovisual. Impulsionados na pandemia, os serviços de streaming ganharam protagonismo e transformaram, de maneira definitiva, o setor no País e no mundo. Até pouco tempo atrás, era inimaginável acompanhar uma série coreana ou garimpar um curta-metragem restrito a circuitos de festival. Hoje, com a disseminação das plataformas de vídeo sob demanda (ou VoD, do inglês video on demand), esses feitos se tornaram não só possíveis como também parte do cotidiano de muitos brasileiros — e em diversas telas. As perspectivas para consumidores e produtores você encontra na matéria “Raio-X do audiovisual”.
A Problemas Brasileiros é uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com distribuição dirigida a empresas associadas da Entidade, sindicatos filiados, universidades e escolas, Poder Público e organizações do terceiro setor.
A ÍNTEGRA DA EDIÇÃO #483 IMPRESSA DA REVISTA PB ESTÁ DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.