entrevista

Caminhos da bioeconomia

25 de março de 2025
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O Brasil é a nação mais biodiversa do mundo, com mais de 20% das espécies do planeta distribuídas em seus biomas. É com base na diversidade de recursos naturais que o País gera parte de suas riquezas, premissa da bioeconomia. Até 2050, o segmento pode gerar até US$ 284 bilhões por ano para a Indústria, segundo a Associação Brasileira de Bioinovação (Abbi) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

“Não enxergamos na bioeconomia apenas desenvolvimento econômico, mas também o desenvolvimento completo: social, ambiental e econômico”, defende Carina Pimenta, secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) desde 2023. Para ela, esse modelo econômico é parte das oportunidades que o Brasil tem em uma revolução verde, que passa pelo uso, por vários setores e indústrias, de ativos biológicos. “Temos muito a aprender com a natureza para transpor isso na nossa economia.”

Administradora de empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestra em Desenvolvimento Social pela Universidade de Sussex, na Inglaterra, Carina gerenciou o Fundo Vale e, em 2018, participou do lançamento da Conexsus, instituição que promove negócios de impacto socioambiental.

Como o conceito de bioeconomia se traduz no cotidiano?

A bioeconomia está no alimento, no açaí, na castanha do Brasil, no xampu, no combustível. O Brasil tem um pioneirismo enorme na agenda de bioeconomia, ela está no nosso dia a dia de uma forma muito explícita, mas não a entendemos dessa forma. O que a agenda de bioeconomia está trazendo hoje é a ressignificação dessas indústrias, oferecendo um novo olhar sobre o uso dos recursos. Houve um certo tensionamento nos sistemas produtivos dos ativos naturais, que muitas vezes levam à degradação do solo e ao desmatamento ilegal. A bioeconomia traz de volta a discussão de que uma parte importante da economia depende dos recursos naturais e é baseada em produtos e processos biológicos. No entanto, precisamos entender esses sistemas e produzir sob uma perspectiva de transformação ecológica. Esse modelo econômico é parte das oportunidades que o Brasil tem em uma revolução verde, que passa pelo uso, por vários setores e indústrias, de ativos biológicos. Temos muito a aprender com a natureza para transpor isso na nossa economia.

Que tamanho a bioeconomia pode atingir em termos de mercado e valores?

Adoraria poder responder com números, mas depende da Estratégia Nacional de Bioeconomia, de sermos capazes de quantificar — estamos num processo de construção. Ao tentarmos quantificar, precisamos enxergar as bioeconomias, com um S no final. Também temos que olhar que a bioeconomia se traduz em valor econômico e, também, valores social e ambiental. Essa é a dimensão, porque teremos grandes bioeconomias, lugares onde o Brasil será muito competitivo nacional e internacionalmente. A bioenergia é um exemplo que se reflete em Produto Interno Bruto (PIB), exportação e emprego. Em outros lugares, há a socioeconomia, a manutenção das florestas com populações que as protegem, que talvez não tenha um volume de PIB significativo, mas apresenta resultados na redução da desigualdade e na perda de biodiversidade, bem como na sua conservação. Não enxergamos na bioeconomia apenas desenvolvimento econômico, mas também o desenvolvimento completo: social, ambiental e econômico.

Como outros países têm internalizado o desafio de incluir a bioeconomia nos planos de transição ecológica?

A bioeconomia foi entrando de várias formas nos planos nacionais. Uma coisa muito interessante é que, por mais que se fale de bioeconomia há décadas, não existe um fórum internacional para discuti-la. Atualmente, 60 países olham de alguma forma para a bioeconomia e 16 criaram o que nós estamos criando, uma política específica de desenvolvimento da bioeconomia. E a Estratégia Nacional é bastante fincada nas potencialidades nacionais e numa visão de futuro extremamente estratégica. Algumas nações escolhem biotecnologia avançada como alvo do seu planejamento de bioeconomia, enxergando a revolução dos recursos biológicos lá na frente. Outras têm se concentrado na bioeconomia como um elemento da transformação para a descarbonização. O Brasil, nesse cenário, tem foco em uma bioeconomia ligada à biodiversidade, à floresta, porque faz parte de um outro conjunto de países que tem essa riqueza como carro-chefe. O País, por causa da sua diversidade, dialoga com todos. Temos um patrimônio natural e sociocultural ligado à biodiversidade que nos torna, talvez, uma nação única para criar novos setores, produtos e processos. O Brasil trouxe para o cenário internacional a ênfase na biodiversidade.

Do ponto de vista comercial, quem está disposto a financiar as iniciativas da bioeconomia? Como você avalia a disposição do mundo para acolher produtos mais amigáveis ao capital natural?

É um quebra-cabeça. Estamos vivendo um processo de ressignificar a economia. Falo muito da revolução, estamos nos voltando para a natureza para buscar soluções para tudo o que criamos. A bioeconomia ajuda a enxergarmos o que já fazemos e nem percebemos, e o que podemos fazer. O Brasil tem feito uma lição de casa importante, por exemplo, com o controle do desmatamento, que é fundamental para a questão comercial. Além disso, o sistema financeiro busca desesperadamente se inserir nesses assuntos. Nunca vi tantos bancos e agentes financeiros querendo discutir temas ligados à biodiversidade, querendo entender essa agenda. É um momento de grande oportunidade para sermos pragmáticos ao optarmos por uma economia que gere efeitos positivos sobre a biodiversidade e sistemas que a preservem. Temos a agenda para o mercado de carbono, mas também a agenda de pagamento por serviços ambientais, que no Brasil está sendo regulamentado e é um instrumento importantíssimo para a transição da bioeconomia. Como fazer isso com os bancos? O trabalho de taxonomia que o Ministério da Fazenda está fazendo é fundamental na construção de um arcabouço que oriente essa transformação. Estamos, como governo, dando vários passos importantes, mas é um processo, um movimento que não vai ser finalizado de uma hora para a outra. Sabemos que mudar estruturas não é algo que acontece rápido, mas há uma ambiência e a participação do sistema financeiro está sendo muito interessante.

Qual é o papel das empresas, em especial das pequenas e médias? Como fazer com que esse público se aproxime dessa agenda e esteja preparado para as mudanças que desejamos ver?

O Brasil já vem, há alguns anos, olhando para as empresas de menor porte — e é preciso olhar ainda mais para esses negócios. Outros países fizeram isso muito bem, focaram em pequenas e médias como um importante fator gerador de riqueza na economia, nas economias locais e na geração de emprego. É um dos segmentos mais interessantes para a bioeconomia, porque acontece localmente. As estratégias que estão sendo pensadas no governo brasileiro buscam criar estruturas de apoio a esses empreendimentos, hubs da bioeconomia que concentrem um conjunto de soluções e apoios para que esses empreendimentos possam adentrar nesse mundo. Apoio técnico, conhecimento sobre legislação, oportunidades de investimento em ciência, tecnologia e inovação. A sacada da bioeconomia é o foco em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), mas os segmentos baseados em inovação encontram dificuldades, pois há poucos mecanismos de incentivo que cheguem a esse grupo. A inovação é normalmente dominada pelas grandes companhias, mas a bioeconomia é capaz de chegar mais perto desse público, não só das startups, mas das pequenas e médias empresas. Temos um cuidado específico com os pequenos empreendimentos ligados à sociobioeconomia, que trata da sociobiodiversidade na floresta, pois junta milhares de pessoas em pequenos negócios que geram resultados sociais e de renda incríveis ali na ponta. Então, qualquer evolução tecnológica, de assessoria técnica, de mercado, de evolução e qualificação de produto que essas empresas apresentem gera um ganho enorme. Enxergamos que esses negócios terão um papel enorme na inovação — com o açaí, o cacau, os fármacos. Há projetos muito interessantes sendo realizados, e o País só será capaz de evoluir mediante um sistema de impulsionamento assertivo da bioeconomia para esse grupo, que precisa de ferramentas de apoio para chegarem lá.

Como o Comércio e os Serviços podem se beneficiar?

O Comércio tem a vantagem de fazer a interlocução direta com os públicos. Já o Comércio ligado à sustentabilidade é uma das vertentes dessa estratégia. Nos Serviços, há o Turismo. Bioeconomia parece produto industrial, mas o tema do Turismo é um dos mais interessantes, porque além de o setor ter a capacidade de dinamizar economias, consegue adentrar nos nossos ativos, como florestas, parques nacionais, trilhas etc. Tudo o que nos coloca em contato com a natureza se apresenta como forma de expressão da bioeconomia. O que acho mais bacana é que o Turismo pode ajudar na narrativa com o público comum, tornando palpável a bioeconomia nas nossas vidas. O uso das florestas cria contato e ressignifica tudo isso que estamos falando. A bioeconomia traz para o dia a dia uma reflexão ampla sobre por onde passa a transformação ecológica de fato.

ESTA ENTREVISTA FAZ PARTE DA EDIÇÃO #485 (MAR/ABR) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.

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Entrevista Mônica Sodré | Edição Dimalice Nunes UM BRASIL
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