entrevista

A economia brasileira pós-pandemia

08 de julho de 2020
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Desde a segunda semana de março deste ano, o Brasil e o mundo vivem um dia após o outro. Em razão dos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a saúde pública e o bem-estar das pessoas, economias do mundo inteiro foram obrigadas a rever políticas públicas. No Brasil, o governo lançou mão de iniciativas emergenciais para minimizar o impacto da paralisação econômica. Para o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, uma das consequências problemáticas da crise que estamos atravessando é o aumento da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que era de 77% ao final de 2019  e, segundo ele, deve dar um salto para 95% neste ano. Ele afirma que a recuperação brasileira tende a ser lenta e que o País sairá da crise com a estrutura econômica fragilizada. Nóbrega reflete ainda sobre a articulação política do governo, privatizações e carga tributária.  

O bate-papo pode ser ouvido na íntegra no podcast da PB.

“O Brasil sairá dessa crise mais empobrecido, mais desigual, com sua estrutura econômica fragilizada e com maior endividamento das contas do Tesouro Nacional.”

As vendas do comércio caíram 16,8% em abril, pior resultado da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor de vestuário e calçados desabou 60%. Quanto tempo levaremos para voltar aos índices de venda pré-pandemia? 

Essa é uma pergunta de US$ 1 milhão. É muito difícil fazer uma estimativa precisa das condições para recuperar isso, porque depende basicamente de dois elementos. O primeiro é a duração da pandemia e da paralisação ou redução do ritmo da atividade do comércio. Em segundo lugar, depende da reação dos consumidores quando a pandemia passar. Muito provavelmente nós não vamos ver os consumidores voltando às compras no ritmo que se observava antes da pandemia. Além disso, houve muita destruição de capital e desemprego, que afetam a renda e o consumo. 

Parece muito pouco provável a expectativa de que haverá uma recuperação em “V”, isto é, uma queda súbita e rápida da economia com imediata recuperação, voltando em pouco tempo ao pico anterior. Como ainda não existirá a vacina contra a doença, e isso deve demorar pelo menos um ano, o consumidor deverá estar mais prudente, mais cauteloso. O que significa que a recuperação será com características de um “U”, ou seja, cai rapidamente e leva um tempo para se recuperar até voltar ao estágio anterior.

Qual é a sua avaliação sobre o entrave na liberação do crédito nesse momento?

Em primeiro lugar, a equipe econômica hesitou em perceber a crise provocada pela pandemia do covid-19. As declarações iniciais da equipe econômica foram as de que a crise seria resolvida com as reformas, e não era isso, tratava-se de um evento absolutamente imprevisto e grave que afetou terrivelmente a atividade econômica. Era hora de adotar medidas de emergência como ocorreu em muitos países, sobretudo nos desenvolvidos. O segundo problema foi que a equipe não ouviu as sugestões e os alertas de muitos economistas. Neste momento, os bancos perceberam que era preciso ter prudência em relação aos empréstimos dos seus recursos. Essa percepção de risco gerou uma postura mais cautelosa com taxas de juros [para empréstimos] mais altas. Portanto era preciso que houvesse uma garantia do Tesouro para a maior parte das operações de crédito; com isso reduzir a percepção de risco e estimular um maior engajamento das instituições financeiras. 

Qual a sua avaliação sobre a proposta do governo de prolongar o auxílio emergencial?

A prorrogação da medida era inevitável. O número de dias do isolamento social se estendeu, e nós estamos diante dos primeiros sinais de reabertura da economia depois do pior momento da crise. Vai levar algum tempo para que ocorra a recuperação do emprego e da renda, portanto, se justifica a ampliação do auxílio emergencial. O Congresso Nacional pode até manter o valor de R$ 600,00 do auxílio.

“Agora é a vez dos mais favorecidos, dos ricos, e, portanto, que seja uma carga tributária sobre a renda ou patrimônio e sobre a riqueza.”

Quais as chances de avanços nos debates sobre reformas no Congresso Nacional, especialmente, a Reforma Tributária?

Eu acredito que sim [há chances de avanço], embora de forma mais lenta e mais difícil, porque fica cada vez mais claro que há um problema sério de articulação do governo, e isso dificultará o debate e a aprovação das reformas. O governo nem sequer deu parecer sobre o projeto elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) acerca da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45), que trata da Reforma Tributária. Também é preocupante a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de restaurar uma nova versão da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que foi uma tributação capaz de reduzir a produtividade da economia, a competitividade dos produtos e serviços e de aumentar o custo do financiamento das empresas e as pessoas físicas. 

O senhor defende o aumento da carga tributária como uma alternativa para o equilíbrio das contas públicas. Há ambiente favorável para essa proposta?

O Brasil sairá dessa crise mais empobrecido, mais desigual, com sua estrutura econômica fragilizada e com maior endividamento das contas do Tesouro Nacional. A relação entre a dívida e o PIB, que era de 77% no final de 2019, deve dar um salto para 95% do PIB neste ano. A crise vai atingir os outros mercados, mas o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que essa relação dos países emergentes, incluindo o Brasil, saltará de 53% para 69%. É bom lembrar também que o Brasil perdeu o grau de investimento quando essa relação chegou a 65% em 2015. 

Existem economistas que avaliam que, com a taxa de juros baixa atualmente, é possível manejar a dívida pública sem qualquer medida adicional e que apenas as reformas e seus efeitos fiscais seriam suficientes. É uma alternativa arriscada porque isso pressupõe a certeza de que as agências de classificação de risco e os investidores em papéis do Tesouro iriam “comprar essa tese”, e que não haverá qualquer surpresa desagradável para o governo na aprovação das reformas.

O Brasil precisa ter um plano fiscal de ajuste para reduzir ao longo do tempo a relação dívida-PIB, e o aumento da carga tributária não poderia incluir impostos indiretos sobre o consumo porque ele impacta proporcionalmente mais aqueles que são menos favorecidos. Agora é a vez dos mais favorecidos [terem mais impostos a pagar], dos ricos, e, portanto, que seja uma carga tributária sobre a renda ou patrimônio e sobre a riqueza com uma característica importante: essa arrecadação temporária seria destinada exclusivamente para a sustentabilidade da dívida pública e para  o futuro da economia brasileira. 

O senhor também é a favor da privatização do Banco do Brasil (BB). Quais efeitos positivos para o banco caso o governo deixe de controlar a instituição?

O BB está preparado para ser privatizado. Será um banco mais eficiente, mais competitivo e com maior capacidade de ofertar crédito em condições melhores a todas as empresas do País. O controle estatal prejudica o banco por várias razões. A primeira razão é a sede do BB estar localizada em Brasília. Em país nenhum do mundo o centro financeiro se situa na capital federal, a não ser na Inglaterra, onde o centro financeiro já está em Londres, a capital. Na Alemanha, Frankfurt, nos Estados Unidos, Nova York e São Francisco, e assim por diante. O sistema financeiro funciona em agrupamento, e o sistema financeiro brasileiro é um sistema localizado em São Paulo, ou seja, o BB deveria ter sua sede em São Paulo.
Outro ponto é que o banco muda de administração pelo menos uma vez a cada quatro anos ou a cada governo. Ele também está sujeito à legislação de concorrência, o que torna lenta e burocrática demais a modernização de sua estrutura. Além disso, ele está sujeito a prestar informações ao Tribunal de Contas, não pode remunerar adequadamente os seus talentos. O Banco do Brasil tem profissionais competentes, comparáveis em alguns casos ou até superiores aos do sistema financeiro privado. O caminho mais provável para o BB seria transformá-lo em uma corporação, uma sociedade anônima sem um sócio majoritário. Hoje o governo detém pouco mais do que 50% do capital votante do banco. Para privatizá-lo basta vender um pouco mais para o setor privado, o que seria diferente de uma privatização mais complexa. 

De todo modo, mesmo sendo uma privatização mais simples, seria necessária a autorização do Congresso Nacional, e eu não vejo o Congresso preparado em termos de visão de mundo ou de país, para apoiar a privatização do Banco do Brasil. Além disso, uma pesquisa realizada pelo Datafolha mostrou que mais de 70% dos brasileiros são contra a privatização de empresas estatais. E na outra ponta está o presidente Bolsonaro, que também é contra. 

Qual é a sua opinião sobre a radicalização do debate público no País, a política tem atrapalhado a economia? 

Não há dúvida sobre isso. Desde o mês de abril de 2020, o Brasil passou a ter a moeda mais desvalorizada do mundo, e é possível mensurar as consequências dessa radicalização do debate público sobre a economia a partir da crise política instalada no plano nacional. Outra questão, em torno deste cenário, seria um processo de impeachment; eu espero que não, o que seria traumático porque criaria um universo de incertezas para o País neste momento. 

Lucas Mota Christian Parente
Lucas Mota Christian Parente