Esta reportagem aborda questões de saúde mental e suicídio. Caso você (ou alguém que conheça) apresente sinais de alerta, procure ajuda.*
A cada mês de setembro, a cor amarela reforça a importância da atenção com os assuntos relacionados à saúde mental. Neste ano, a preocupação com crianças e adolescentes dá o tom à campanha de prevenção ao suicídio. Vítima de bullying e homofobia, um aluno bolsista do colégio Bandeirantes, escola de elite da Cidade de São Paulo, tirou a própria vida aos 14 anos. O desfecho do jovem Pedro Henrique Oliveira dos Santos reflete uma triste estatística. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio se tornou a quarta principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos.
Eliminar os estigmas em torno do tema é fundamental para reverter as estatísticas, afirma o psiquiatra Guilherme Vanoni Polanczyk, chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, que pertence à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e vice-presidente da International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions (IACAPAP). Ele é autor de um estudo sobre as diferentes causas do fenômeno. O trabalho, publicado em 2017, apontou que 45% das pessoas que se suicidaram consultaram um médico no mês anterior à morte, mas raramente houve qualquer documentação de avaliação do risco desse suicídio. “Muitos médicos pensam erroneamente que aqueles que falam sobre o assunto não querem realmente se matar. É um mito que interfere na avaliação e na gestão adequada dos caso”, afirma.
Outro dado mais recente, publicado em agosto pelo Ministério da Saúde, mostra que a quantidade de internações relacionadas a estresse e ansiedade em adolescentes e jovens de 13 a 29 anos aumentou 136%, entre 2013 e 2023. “Uma década atrás, por exemplo, não havia discussões sobre saúde mental, porque os serviços especializados eram muito escassos”, afirma Polanczyk. Por isso, o psiquiatra vê com cautela os reais efeitos de campanhas como o Setembro Amarelo. De acordo com ele, é preciso olhar para a saúde mental de forma mais ampla. “Há uma série de estratégias objetivas que podem ser feitas e entender que o ato acontece quando tudo deu errado. Precisamos trabalhar muito antes de qualquer ideação ou ação suicida e garantir que as pessoas possam ter uma vida plena”, afirma.
A seguir, confira a entrevista concedida pelo psiquiatra à Problemas Brasileiros.
Qual é o contexto geral de saúde mental que acompanha o aumento de internações de jovens no Brasil por depressão e ansiedade?
São vários contextos. Está havendo um maior cuidado em relação à saúde mental. Uma década atrás, por exemplo, não havia discussões sobre o tema, porque os serviços especializados eram muito escassos. Mas nós estamos muito longe de dar conta de toda a demanda. Outro fator é que se diminuiu o estigma. As pessoas estão mais dispostas a falar e a procurar ajuda. Para algumas, a internação é necessária e, muitas vezes, a melhor opção, como quando um jovem já se intoxicou antes de buscar tratamento. No entanto, é importante destacar que há uma falha no sistema de saúde em relação à prevenção, o que leva a internações que poderiam ser evitadas.
Quando ocorre uma tragédia como a do aluno do colégio Bandeirantes, qual reflexão deve ser feita pelos pais e pela escola?
É uma reflexão inicial da sociedade. Sabemos que fatores sociais e culturais mais amplos também estão envolvidos no suicídio, como a dificuldade de se lidar com o diferente. Nesse caso, estamos falando de um adolescente bolsista, negro e homossexual, e a escola não foi capaz de dar apoio ao aluno, impedindo que situações negativas chegassem até ele.
A diretoria da escola sugeriu rever as bolsas oferecidas para alunos de baixa renda, como se eles fossem culpados pelo bullying que sofrem. Isso não seria uma atitude elitista e excludente?
Sim, sem dúvida. A situação das bolsas em escolas elitistas é complicada, especialmente quando não há um suporte adequado ou um trabalho de inclusão por parte da comunidade escolar. Crianças e adolescentes são sensíveis e precisam de cuidado extra. Eles devem se sentir parte do grupo, e não terem suas diferenças destacadas.
Quais são as semelhanças e diferenças que levam à depressão em jovens de alta e baixa rendas?
A pobreza é um fator muito importante, pois leva a problemas como maior exposição à violência, falta de estímulos adequados, pior nutrição e condições de saúde física. Jovens de classes mais altas geralmente têm boa nutrição e recursos, mas enfrentam pressão para obter alto desempenho e atender às expectativas dos pais. Em ambas as classes sociais, problemas como rejeição social podem contribuir para a depressão.
E qual é o suporte que a família pode oferecer? A quais sinais, não necessariamente sempre visíveis, as pessoas precisam estar atentas no dia a dia?
É fundamental para o desenvolvimento das crianças que exista a relação com os pais, para que se construa algo positivo a partir do convívio e da conversa. Isso será extremamente importante para apoiar a criança a resolver os problemas, lidar com uma situação de bullying e enfrentar as dificuldades acadêmicas, por exemplo. Esse espaço de conversa, atenção, diálogo, cuidado e afeto é imprescindível para o desenvolvimento pessoal. Quando um jovem usa a internet sem monitoramento, ele fica propenso a situações de abuso de substâncias, além de exposto à atividade sexual precoce (e de forma atrapalhada). Sem esse apoio, também podem ficar tristes, irritados e sem energia, até mesmo para escola e amigos, assim como apresentar maior predisposição às alterações de sono e apetite.
Como o Brasil está estruturado, hoje, quanto à linha de cuidado em saúde mental e quais são os principais gargalos, considerando essa população jovem?
As linhas de cuidado não estão articuladas. Essa articulação precisa envolver todos os atores, inclusive os profissionais de saúde, unidades de ensino e serviços sociais, assim como dos pais. A escola, quando busca oferecer cuidado, geralmente, não é baseado em evidências. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) seriam a grande porta de entrada, mas é comum a escassez de especialistas na área. Os casos mais importantes são encaminhados para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que, com número limitado de serviços, atendem a 5% da demanda existente.
Ainda há muito a melhorar em conscientização, prevenção, diagnóstico e tratamento de saúde mental?
Sim, há muitas limitações no Brasil. Faltam serviços, e as populações mais carentes têm dificuldade para acessá-los. Ainda assim, a despeito do cenário preocupante, houve, nos últimos anos, um aumento no interesse pela prevenção e pelo diagnóstico precoce, além de menos preconceito com problemas de saúde mental. Isso nos dá esperança de que haverá melhorias.
Quais são as mensagens mais importantes para o Setembro Amarelo e por que essa conscientização é importante?
As mensagens do Setembro Amarelo precisam ser cuidadosas. O suicídio tem um grande impacto, mas é apenas uma parte dos problemas de saúde mental que começam cedo. É importante focar no bem-estar desde a infância e na prevenção do suicídio antes que este se torne uma ideia ou ação. Precisamos garantir que as pessoas tenham uma vida com menos sofrimento e possam alcançar o seu potencial. A imprensa também deve ter cuidado para não tratar esses problemas de forma banal.
*Confira, a seguir, alguns locais para pedir ajuda.
– O Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece atendimento gratuito 24 horas por dia. Há também a opção de conversar por chat e e-mail, além dos postos de atendimento em todo o Brasil.
– Para jovens de 13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar.
– Em casos de emergência, a recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190).
– Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192.
– Na rede pública, é possível buscar ajuda também no Caps, nas UBS e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 24 horas por dia.- Veja também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento gratuito em todo o Brasil.