Nunca houve tantas mulheres candidatas quanto nas eleições 2024, mas isso não significa, necessariamente, uma vitória. Pelo contrário, os dados mostram uma diferença enorme quando comparamos homens e mulheres: no pleito deste ano, elas representam 33,9% do total de candidaturas, com 154 mil mulheres concorrendo a vagas em prefeituras e câmaras municipais. A média é praticamente a mesma de 2020, quando 33,5% das candidaturas foram femininas. Além disso, as chances de vitória nas eleições são bem menores para elas. No último pleito municipal, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres ocuparam apenas 16% das vagas de vereadores e 12,1% nas prefeituras. A proporção, majoritariamente masculina, é uma tendência que se repete desde 2016.
“As candidatas lidam com uma série de obstáculos, sobretudo institucionais. Elas têm dificuldade para negociar com os partidos e conseguir dinheiro para uma boa campanha. Isso aparece muito nas entrevistas”, explica a cientista política Débora Thomé, coautora do livro Candidatas: os primeiros passos das mulheres na política do Brasil (FGV Editora, 2024), que, ao lado de Malu Gatto, entrevistou 102 candidatos entre 2020 e 2022. Segundo o livro, um homem tem duas vezes mais chances de ser eleito do que uma mulher. Débora explica, ainda, que em torno de 20% dos municípios no Brasil contam com uma ou nenhuma vereadora. “Isso acaba fazendo com que elas disponham de pouca margem de manobra para pôr em pauta agendas femininas”, afirma.
Nas outras disputas, esse quadro se reforça. Atualmente, apenas em torno de 18% da Câmara dos Deputados são compostos por mulheres. Nas casas legislativas estaduais, a proporção é a mesma.
Quais políticas públicas estimulam a candidatura de mulheres?
As primeiras reformas eleitorais que tentaram garantir maior participação feminina nas eleições começaram ainda nos anos 1990. Entre 1995 e 1997, foi aprovada uma lei de cotas que exigia que 30% das candidaturas fossem reservadas às mulheres. O problema é que não havia qualquer punição para quem descumprisse a norma. Só em 2009 que uma nova reforma mudou os termos: 30% das listas de candidatos deveriam ser preenchidas por mulheres, com possibilidade de punições.
Para garantir que essas vagas não fossem apenas simbólicas — a fim de se cumprir a legislação —, era preciso ainda exigir um mínimo de verba para as campanhas femininas. E elas conseguiram. Em 2015, com o esforço de deputadas, a Câmara aprovou uma lei que obrigava os partidos a destinar de 5% a 15% do fundo partidário às candidatas. Três anos depois, em 2018, Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.617, aumentou os valores repassados às campanhas de mulheres. Segundo Janot, não fazia sentido exigir que 30% das candidaturas fossem femininas, mas destinar apenas 5% ou 15% do fundo partidário a esse intento. A partir de então, os partidos precisaram encaminhar, pelo menos, 30% da reserva a elas. Com a ADI, houve uma nova pressão, seguida por mais uma vitória — estender o repasse de 30% também do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (criado após a proibição das doações de empresas às campanhas).
Por que essas políticas não são suficientes?
Para burlar as regras e preencher os pré-requisitos, os partidos usam de estratégias irregulares, como a candidatura de laranjas. São mulheres que deixam os próprios nomes à disposição, mas não fazem campanha nem mesmo nas redes sociais — e recebem uma votação nula ou muito próxima a isso. Ainda segundo o TSE, essas candidatas suspeitas, geralmente, também não declaram bens, tampouco gastos de campanha. Desde 2020, o Tribunal condenou ao menos 72 dessas candidaturas. Mulheres em posições de vice nos cargos majoritários é outra tática. Quanto ao cumprimento da cota de repasse de recursos, o dinheiro, de fato, é enviado, mas se apostam em panfletos casados (uma candidata à vereança ao lado do candidato a prefeito, por exemplo). “O comportamento dos partidos é o de não ajudar na construção de lideranças femininas. O incentivo real — e isso fica nítido pelo discurso de que, ‘às vezes, as candidaturas de mulheres não são viáveis’ — é só cumprir a cota”, afirma Ana Claudia Santano, diretora-geral da Transparência Eleitoral Brasil.
Em 2022, uma Emenda Constitucional (EC) abriu mais brechas para o não cumprimento dessas cotas. O novo texto permite que os recursos destinados à promoção da participação política feminina que não foram usados, ou não reconhecidos pela Justiça Eleitoral, possam ser utilizados em anos posteriores. Isso significa que se extinguiu a necessidade de devolução da verba (e do pagamento de multas), caso os partidos não tenham sido condenados em processos de prestação de contas. Como se isso não bastasse, os partidos expandiram o perdão também para outras multas. Em agosto deste ano, o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia. Essa regra reduz a obrigatoriedade do repasse de verbas proporcionais aos candidatos negros de 50% para 30%.
De acordo com um levantamento da Folha de S.Paulo, os partidos somam mais de R$ 40 milhões em dívidas por descumprimento de regras eleitorais. “A duras penas, tivemos algumas vitórias com as cotas. Mas essa PEC da Anistia traz um espelho muito fiel de como pensam os partidos políticos, pois nunca conviveram bem com a ideia de ações afirmativas, tanto com as candidaturas femininas quanto com o financiamento público da campanha delas”, argumenta Ana Claudia. “É um retrocesso enorme, e ainda não conseguimos nem mensurar o tamanho disso.”
Como é em outros países?
A Argentina foi o primeiro país do mundo a criar uma cota de 30% nas eleições legislativas para mulheres, em 1991. A eleição por lá funciona assim: partidos ou coligações criam uma lista fechada de candidatos em ordem de prioridade, e os eleitores votam nessa lista. Se os votos forem suficientes para eleger dez pessoas, por exemplo, ao menos três mulheres assumiriam o cargo. Em 2017, o nosso vizinho aumentou ainda mais a cota, para 50%.
Desde então, a lista é intercalada por um homem e uma mulher. As argentinas ocupam mais de 40% das vagas legislativas. “Como não temos esse sistema de lista fechada, fica mais difícil [promover paridade de gênero na política]. E não parece que isso será modificado. Então, seria interessante pensar em um mecanismo de reserva de vagas, com garantia de ocupação desse espaço, como é feito na Bélgica”, defende a cientista política Débora. No país europeu, assim como no Brasil, os eleitores votam nos candidatos. Desde as eleições de 1999, porém, nem sempre quem tem mais votos é eleito. Isso acontece porque há uma reserva de cargos destinados às mulheres que deverão assumir os cargos legislativos.