Terminada a COP30 – que, mantendo a tradição do que ocorre nas conferências do clima das Organizações das Nações Unidas (ONU) desde 2004, não chegou um acordo no dia oficialmente marcado para seu fim –, uma pergunta é inevitável: a primeira cúpula climática realizada na Amazônia foi um sucesso ou um fracasso?
A resposta dependerá de quem está falando. Há quem veja a conferência de Belém pelo lado do “copo meio cheio”, enquanto outros a classificam como um “copo meio vazio”. Quem está certo e quem está errado?
Ambos. E nenhum deles.
Se considerarmos o momento geopolítico extremamente complexo no qual a COP30 aconteceu, com os Estados Unidos – o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta e um dos líderes históricos em emissões – fora do Acordo de Paris e ausente em Belém, as conquistas foram tremendas. A presidência brasileira da conferência foi bastante hábil para agilizar conversas e buscar acordos, sobretudo em momentos nos quais o necessário consenso para a aprovação de decisões parecia impossível.
Mas, com o limite de 1,5ºC de aumento de temperatura do mesmo Acordo de Paris prestes a ser superado – cenário já admitido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres –, o resultado final foi aquém do necessário. A COP30 terminou sem conhecer o novo plano climático da Índia, um dos maiores emissores do mundo, além de outras Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) consideradas tímidas demais para o desafio cada vez maior de conter a mudança do clima. Além disso, a sinalização de um “mapa do caminho” para a transição além dos combustíveis fósseis, ação crucial para reduzir nossas emissões, ficou fora do texto final.
“Se pudéssemos voltar no tempo e conversar com nós mesmos na Rio-92 (encontro que foi o precursor das conferências do clima da ONU), o que aquelas versões de nós diriam ao olharem para os resultados de hoje? Certamente nos diriam, antes de tudo, que sonhávamos com muito mais”, admitiu a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, no encerramento da COP30, vendo o copo “meio vazio”. Mas completou, sob o olhar do “copo meio cheio”: “Progredimos, ainda que modestamente”.
As vitórias da COP30 podem ser verificadas tanto nos textos aprovados pelas delegações presentes como por acordos além das negociações dos países. E houve avanços em temas importantes e bastante difíceis.
Pouco antes do início do encontro, as presidências da COP29, realizado no Azerbaijão no ano passado, e da COP30 apresentaram o “Roteiro de Baku a Belém”. O documento traz caminhos para ampliar o financiamento climático para países em desenvolvimento a US$ 1,3 trilhão anuais até 2035. As propostas envolvem recursos públicos e privados, e embora não sejam mandatórias, sinalizam alternativas para romper um dos principais obstáculos para a descarbonização da economia global: a falta de recursos.
O lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) também foi bem-sucedido. Idealizado pelo governo brasileiro, o TFFF tira a preservação florestal da filantropia e a coloca como um investimento, público e privado. A iniciativa conseguiu em Belém pouco mais de US$ 6,5 bilhões dos US$ 10 bilhões projetados para seu primeiro ano de operação. E recebeu promessas de mais recursos, tanto de países como de investidores privados.
“Continuo muito otimista em relação ao avanço do TFFF. Sim, havia grandes ambições (inicialmente a projeção era obter US$ 25 bilhões no primeiro ano), mas é preciso definir a ambição, pois isso faz com que as pessoas levem o projeto a sério e se envolvam”, avaliou Daniel Hanna, chefe global de finanças sustentáveis e de transição do Barclays. O que confirma a visão da iniciativa privada de que a iniciativa é um bom negócio.
Outra proposta brasileira, a Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono, também ganhou vida e força na conferência. A coalizão recebeu endosso de 17 países e blocos, incluindo China e União Europeia. Seu objetivo é criar um padrão comum e conectar diferentes sistemas de comércio de créditos de carbono para gerar liquidez, previsibilidade e transparência para este mercado, considerado peça-chave nas ações de descarbonização de setores econômicos.
Nos textos da Decisão de Mutirão de Belém, um dos destaques foi o avanço em adaptação climática. Além da partida das Metas Globais de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), houve o compromisso, assumido pelos países desenvolvidos, de triplicar os recursos destinados ao tema, de US$ 40 bilhões para US$ 120 bilhões.
Os textos finais também incluíram um inédito mecanismo de transição energética justa. Pela primeira vez na história das conferências climáticas da ONU os afrodescendentes foram reconhecidos como agentes cruciais no combate à mudança climática, bem como os indígenas. E questões de gênero também foram consideradas, já que estudos mostram que as mulheres são as mais atingidas pela crise do clima.
A COP da Implementação idealizada pela presidência brasileira deixou lacunas. Mas nada foi tão impactante para frustrar as expectativas do que a ausência de uma proposta de roteiro para a substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia. O tema não constava da pauta oficial da conferência, mas ganhou tamanha força que se tornou a principal reivindicação de cientistas, organizações da sociedade civil e mesmo de pelo menos 80 países presentes em Belém.
No entanto, uma ausência pode falar muito. E há quem avalie que a ação contrária ao mapa do caminho para uma economia global além de petróleo, gás e carvão fez da conferência de Belém a COP da Verdade. Sabe-se, agora, quais nações estão dispostas a sentar-se à mesa para encontrar soluções para a principal causa das mudanças climáticas e quais não estão dispostas a isso.
Ainda assim, a perspectiva do “copo meio cheio” supera a decepção. Afinal, a presidência brasileira, que só termina quando a COP31 começar, em novembro de 2026, na Turquia, assumiu o compromisso de encaminhar o tema. Uma conferência paralela sobre o assunto já está marcada para o fim de abril na Colômbia. E cientistas do Pavilhão Científico da COP30 – outro ineditismo do evento de Belém – vão elaborar estudos para subsidiar os debates.
“Sabíamos que esta COP aconteceria em águas políticas turbulentas. A negação, a divisão e a geopolítica deram alguns golpes pesados na cooperação internacional este ano. Mas a COP30 mostrou que a cooperação climática está viva e forte, mantendo a humanidade na luta por um planeta habitável, com uma firme determinação de manter 1,5ºC ao nosso alcance”, resumiu Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudanças do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).