O Brasil tem potencial para liderar a descarbonização industrial no mundo, mas isso depende de ações rápidas, coordenadas e específicas por setor. Essa é a conclusão dos estudos do projeto Descarbonização e Política Industrial (DIP-BR), conduzido pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GIC/IE-UFRJ). Focados nas cadeias da carne bovina, do cimento e do aço, os documentos foram divulgados para a imprensa pela Agência BORI no primeiro semestre deste ano. Os pesquisadores propõem um conjunto de estratégias e políticas que reduzem os impactos ambientais sem comprometer a produtividade da Indústria.
Embora o Brasil tenha uma matriz energética majoritariamente renovável, a maior parte das emissões nacionais ainda vem de mudanças no uso da terra e da Agropecuária — que, juntas, responderam por 77% do total em 2022. A cadeia da carne bovina tem papel central nesse cenário: além da liberação de metano pela fermentação entérica dos animais, o setor impulsiona o desmatamento para abertura de pastagens, principalmente na Amazônia Legal — região que abrange os Estados do Acre, do Amapá, do Amazonas, do Mato Grosso, do Pará, de Rondônia, de Roraima, do Tocantins e parte do Maranhão. Os pesquisadores defendem a criação de mecanismos estatais robustos de rastreabilidade, que acompanhem o gado desde o nascimento e impeçam que carne oriunda de áreas desmatadas chegue ao mercado.
Carlos Frederico Leão Rocha, coordenador do DIP-BR, pontua que a pressão de mercados importadores, como União Europeia e China, tende a acelerar mudanças, especialmente com a exigência, desses locais, de rastreabilidade completa prevista para 2025. Segundo ele, a redução do consumo de carne bovina por habitante também pode ser uma aliada na transformação do setor.
Na indústria do cimento, os principais gargalos estão no uso intensivo de clínquer — obtido da queima de calcário em altas temperaturas — e na forte dependência de combustíveis fósseis. Em 2022, a produção de cimento foi responsável por 26% das emissões do setor industrial brasileiro, ou cerca de 2% do total nacional. Segundo o estudo do DIP-BR, é possível reduzir até 11% dessas emissões apenas substituindo o clínquer por materiais como fíler calcário, argila calcinada e biocinzas. O uso de fontes renováveis de energia e a modernização de fornos também são caminhos promissores.
De acordo com Julia Torracca, professora no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora no Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da instituição (GIC/IE-UFRJ) e autora do relatório sobre a cadeia do cimento, as empresas brasileiras já demonstram interesse em tecnologias de captura e armazenamento de carbono. No entanto, faltam políticas públicas com metas claras, além de revisão regulatória que permita o uso de materiais alternativos. Logística precária e altos custos de adaptação tecnológica também são entraves relevantes.
A siderurgia é outro setor com alta pegada de carbono. Globalmente, o setor responde por cerca de 26% das emissões industriais, principalmente em decorrência das usinas integradas que usam carvão mineral. Embora essa tecnologia ainda seja dominante por questões de escala e custo, alternativas como o uso de sucata e de hidrogênio verde — especialmente em fornos elétricos — podem reduzir as emissões em até 90%. O uso de carvão vegetal de reflorestamento também tem contribuído para a redução de impactos.
No entanto, a adoção dessas tecnologias ainda enfrenta obstáculos. A escassez de sucata no Brasil, causada pela maior durabilidade de veículos e pela exportação de aço, e o alto custo do hidrogênio verde limitam o avanço. Germano Mendes de Paula, professor na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e autor do relatório sobre siderurgia, destaca que países como o Japão já oferecem subsídios bilionários para a conversão tecnológica da indústria do aço. “O Brasil precisa tornar a descarbonização da siderurgia uma prioridade pública”, afirma. Embora existam iniciativas como o Programa BNDES Hidrogênio Verde e o Marco Regulatório do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono — Lei 14.948/2024 —, ainda faltam incentivos diretos e um mercado regulado e eficaz.
Os pesquisadores do DIP-BR ressaltam que descarbonizar a Indústria não é apenas uma obrigação ambiental, mas uma oportunidade concreta de reposicionar a Indústria brasileira no centro de uma economia global mais limpa, tecnológica e competitiva, alinhando sustentabilidade, desenvolvimento econômico e inclusão social.
Em todas as cadeias produtivas, a vontade política será fundamental para superar entraves tecnológicos e garantir fiscalização adequada. A discussão é ainda mais urgente em 2025, ano em que o Brasil sediará a 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP30) da Organização das Nações Unidas (ONU) e as metas do Acordo de Paris serão revistas — uma década após a sua assinatura e ainda com impacto global limitado.
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