Democracia em descrédito

26 de agosto de 2025

Da contribuição dos deputados para a crise climática à insatisfação com o funcionamento da democracia, pesquisadores do Paraná alertam para a desconfiança de brasileiros com a classe política.

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Três estudos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia | Representação e Legitimidade Democrática (INCT ReDem), sediado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), revelam um cenário político-social brasileiro marcado por falta de confiança nos políticos, apoio ambivalente à democracia e decisões legislativas com fortes impactos ambientais.

Divulgados pela Agência BORI neste ano, os dados ajudam a compreender os dilemas enfrentados pela democracia brasileira e a contribuição da classe política para a crise climática no País — que, em última instância, ajuda a alimentar o sentimento de desilusão com as lideranças. Os trabalhos foram publicados no início de 2025.

Uma das pesquisas mostra que, embora nove em cada dez brasileiros apoiem a democracia, apenas 38% estão satisfeitos com o seu funcionamento. A insatisfação está presente, principalmente, entre os mais escolarizados e com maior renda, que enxergam o sistema democrático para além do voto, exigindo políticas de equidade, participação social e justiça econômica. “A forma como a democracia tem sido implementada após a redemocratização é avaliada como insuficiente”, afirma Ednaldo Ribeiro, autor do estudo sobre a insatisfação dos brasileiros com a democracia, à BORI.

Um outro estudo, qualitativo, apresenta pistas sobre a corrida presidencial de 2026, indicando que eleitores das classes C, D e E, nos municípios de São Paulo e de Bauru, no Estado paulista, desejam renovação dos seus representantes, mas mantêm desconfiança em relação a candidatos sem trajetória política. As conclusões surgiram da análise de seis grupos focais, com 60 eleitores divididos por faixa etária, voto anterior e ideologia. Os participantes avaliaram perfis fictícios de candidatos, baseados em tipologias acadêmicas. O mais rejeitado foi o político tradicional, enquanto os outsiders antissistema — que poderiam ser exemplificados por nomes como os do cantor Gusttavo Lima e do influenciador Pablo Marçal — foram vistos com descrédito.

O posicionamento antissistema, comum entre outsiders — aquele do tipo “contra tudo o que está aí” —, não é suficiente para convencer esse eleitorado, que teme que candidatos inexperientes se tornem reféns do sistema. O perfil menos rechaçado foi o do chamado “outsider amador”, alguém sem carreira política, mas com disposição para alianças e pertencente a um partido grande. “A maioria não acredita que um candidato com discurso antissistema vá mudar algo e, ao mesmo tempo, tem medo do tipo de mudança que ele faria”, pondera Roberta Picussa, coordenadora do estudo sobre a avaliação dos outsiders.

As pesquisas revelam um sentimento generalizado de desilusão da população com o funcionamento complexo do sistema político brasileiro, que envolve alianças com atores para além da base de apoio do governante, por exemplo. Há uma insatisfação difusa que transcende ideologias, revelando ceticismo sobre a efetividade das instituições democráticas e as opções de candidaturas disponíveis. Esse resultado, além de evidenciar uma apatia do eleitorado, evoca a importância de mudanças estruturais, com resultados concretos, tanto no campo político quanto nas práticas democráticas, para engajar os cidadãos nas esferas decisórias.

Crise representativa 

A terceira frente de análise do INCT ReDem mostra o papel do Congresso Nacional no agravamento da crise climática, entre 2019 e 2022. Por meio de um indicador inédito, que relaciona ações legislativas (como votações e projetos de lei) ao volume de Gases de Efeito Estufa (GEE) emitidos pelos setores econômicos afetados pelas decisões — denominado pelo estudo como CO2 Index —, os pesquisadores demonstraram que a maioria dos deputados federais teve comportamento pró-emissões no período analisado. Dentre estes, estão parlamentares ligados ao espectro político da direita e às Frentes Parlamentares da Agropecuária e da Mineração. “Essas conclusões do estudo mostram que o setor de extrativismo primário é o eixo da discussão ambiental no Parlamento”, destaca Mateus de Albuquerque, autor do estudo.

Ao demonstrar que a maioria dos deputados atuou incentivando os setores e as iniciativas que promovem emissões, contrariando agendas ambientais, o levantamento pode reforçar a percepção de que o sistema político não responde às demandas da sociedade por mudanças reais. Nesse contexto, os dados ambientais ajudam a provar a crise de legitimidade que o sistema democrático nacional atravessa. A convergência entre disfunções do sistema político e descrença em candidatos, e em decisões legislativas contrárias aos anseios da população, sinaliza distanciamento entre representantes e representados. Esse afastamento pode gerar riscos múltiplos à democracia. Segundo Ribeiro, a junção de eleitores exigentes com grupos desinformados pode abrir espaço para alternativas autoritárias.

A melhoria desse cenário, indicam as pesquisas, passa por políticas públicas mais efetivas, mais transparência institucional e compromissos reais com as justiças social e ambiental. Como conclui Roberta, “um candidato novato terá mais chances se mostrar que terá apoios para governar, usar uma retórica mais moderada e apresentar-se como originário ou próximo das classes C, D e E”. Portanto, o desafio é não apenas restaurar a confiança no sistema político, mas também garantir que este produza respostas concretas e sustentáveis às demandas da sociedade brasileira.


ESTE CONTEÚDO É PARTE DA EDIÇÃO #487 (JUL/AGO) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA CLICANDO AQUI.


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Agência BORI* Annima de Mattos
Agência BORI* Annima de Mattos