Clima transnacional

07 de outubro de 2025
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A agenda climática não tem fronteiras. Nos últimos dez anos, a pauta chegou ao centro das discussões dos principais blocos econômicos e políticos do mundo. Mesmo quando a palavra “clima” é evitada por questões políticas, temas ligados à transição energética e aos impactos do aumento da temperatura global no cotidiano seguem presentes nas negociações. A avaliação é de Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e conselheira consultiva internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Às vésperas de o Brasil sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), Izabella acredita que o avanço para um desenvolvimento sustentável só virá com real interlocução e compromissos assumidos pela sociedade como um todo — governos, setor produtivo e população.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista. Você também pode assistir a íntegra, em vídeo, no CANAL UM BRASILClique aqui.

O aumento da temperatura média do planeta em 1,5ºC, antes esperado para 2030, já aconteceu em 2024. Há algo que pode ser feito para evitar a catástrofe?

O aquecimento é fruto de um processo cumulativo do passado que chegou até nós. Pela ciência, 1,5 ºC é o limite que nos deixa mais vulneráveis. Outra questão é o olhar para o futuro, é ver se teremos capacidade de olhar para as emissões e sermos mais ambiciosos para mudar a curva do aquecimento global. Vamos viver dois momentos. Um de transição, provocado pelas incertezas associadas a esse aquecimento do planeta e à ruptura da barreira de 1,5 ºC — porque os modelos climáticos são importantes, cada vez mais precisos, mas não conseguem descrever todos os fenômenos associados. O outro é saber como vamos mitigar os efeitos futuros, emitir menos e retirar o carbono da atmosfera. Aqui, há um aspecto interessante: podemos investir em sumidouros de carbono e amenizar a incerteza no futuro, tornando-nos menos vulneráveis. Temos de partir para a adaptação, para um processo de resiliência. Essa adaptação não é trivial, pois o aquecimento global não é simétrico, não é homogêneo, e acontece de maneira incerta em todo o mundo. Vamos ter de gastar dinheiro para lidar com o risco climático, com mais ondas calor e eventos extremos, inundações. Estaremos expostos a essa vulnerabilidade, o que exige preparo de infraestrutura, com os custos financeiros associados. Isto é, a sociedade terá não só de debater seriamente uma missão de futuro, como também lidar com o seu presente em função do aquecimento global.

Qual é a sua expectativa para a COP30 no Brasil?

Sou muito otimista, mas muito pragmática. Se olharmos numa trajetória, a COP30 significa os dez anos do Acordo de Paris e o tracionamento de 196 países — agora, sem os Estados Unidos — no engajamento para lidar com a questão climática. Sob esse aspecto, acredito que o Acordo de Paris seja bem-sucedido, porque, querendo ou não, o que vimos na última década foi uma evolução da discussão climática, inclusive fora do sistema multilateral. Não há grupo no mundo — G7, G20, Brics+, Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático] — que não discuta a questão climática. Pode até não acontecer, como recentemente nas reuniões em Washington, o uso da palavra clima, por causa das restrições dos Estados Unidos, mas todos estão lidando, sim, mais ou menos, com o problema. Há o ganho de que é, de fato, um tema global. O desafio inicial, de sair da bolha da ciência, da bolha ambiental, foi superado e, hoje, é debatido na geopolítica internacional. O risco climático faz parte disso e também das novas tensões geopolíticas, porque as soluções climáticas passam por inovação, tecnologia e recursos naturais. E essas soluções estão modeladas em dois conceitos: eletrificação e descarbonização. São caminhos que o mundo já tomou a decisão de adotar e parecem irreversíveis. O que não quer dizer que o ritmo de implementação seja na magnitude que precisamos. A COP no Brasil é chave para os próximos dez anos da agenda climática, dentro e fora do sistema multilateral, para a cooperação internacional e para a compreensão de como que os países vão se mexer para além das negociações. Como definiu o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, é uma COP de implementação, de ação com base na agenda adotada na COP26, em Glasgow, com mais de 400 medidas. As negociações são feitas pelos governos, a ação é realizada por todos.

Como efetivar esse pacto num país onde ambientalistas e produtores rurais ainda estão em polos antagônicos?

Não dá para ser uma conversa somente com a área Ambiental. Sou ex-ministra do Meio Ambiente e sei o que estou dizendo. É impossível tomar decisões sobre a questão climática, com a envergadura que ela tem hoje, sem outros ministros, outros atores econômicos e sociais na sala. É preciso saber ouvir as pessoas. E não se trata de advocacy, mas de defender a minha posição, entender o que você quer e analisarmos como chegar a uma terceira posição, que é a do que é possível fazer para que eu saia de onde estou e me movimente na direção certa. Há alguns tópicos muito interessantes nesse debate. Primeiro, não se limita ao segmento ambiental. Segundo, é preciso entender que, se o Brasil é um país vocacionado para o uso da terra como atividade econômica, precisa conciliar o capital natural com o capital de carbono. Então, quando se tem uma Agricultura chave para a segurança alimentar do mundo, para soluções de segurança energética (com os biocombustíveis) e para a mineração, ela precisa também ser crucial para a natureza. É necessário produzir mantendo a natureza viva. No meio disso, temos de parar de movimentar o passado — e, portanto, que o desmatamento saia da equação, uma vez que isso não é atividade econômica, mas crime. Qual é a capacidade do Estado para lidar com essa variável, que se soma às drogas, às armas, ao garimpo ilegal, ao contrabando? É complexo e exige um pacto no qual todo mundo tope que não deve haver mais desmatamento.

Isso é possível?

O Brasil dispõe de cerca de 220 milhões de hectares de vegetação nativa, de capital natural, sob o domínio do setor privado. E mais de 300 milhões de hectares sob o domínio do setor público, em terras não destinadas, Unidades de Conservação (UCs) e parques nacionais. Interessa que o capital natural de propriedade privada se mantenha em pé — porém é preciso fazer uma monetização desse capital privado. Mas não que isso venha do dinheiro público; é preciso uma nova lógica de negócio. É necessário usar inteligência para mobilizar as pessoas e remunerá-las por aquilo que elas protegem. “Ah, então vamos fazer bioeconomia.” Ótimo, mas onde está a infraestrutura e a logística para obter escala? Como o produto vai chegar ao mercado consumidor? Não se trata de desenvolvimentismo, mas de desenvolvimento sustentável, inclusivo, justo, verde e ecológico. O Brasil não discute estrutura logística do ponto de vista estratégico, apenas pontualmente. Se há ambição com a economia, com o desenvolvimento, é preciso ser estratégico em uma formulação de como resolver os problemas de acordo com as soluções postas à mesa. Construir caminhos num país assimétrico requer pactuar, pelo menos a transição, e definir como é que se sai de um ponto para se chegar a outro. A questão climática demanda um olhar que não seja apenas o de defender sua posição; é necessário, primeiro, estabelecer um pacto. Temos um problema na sala? Sim. A questão climática é um problema.

Você tem falado muito sobre a falta de capacidade de mobilização em torno da COP30. Por quê?

É um assunto muito complexo. Não a COP, mas a questão climática. É um tema que se apresentou progressivamente, mas operava em bolhas. Era algo para acontecer no futuro — e hoje é a realidade, a qual vem acompanhada de um discurso de tragédia. Ninguém se mobiliza por tragédia. Trata-se de um assunto que vai mudar as nossas vidas: a maneira como comemos, nos vestimos, nos relacionamos, nos movimentamos. Estamos numa mudança de mentalidade sobre a relação do homem com a natureza, é uma questão global. O Brasil tem interesses importantes não somente como sede da COP, mas na eletrificação e na descarbonização, que são estratégicas para o desenvolvimento. Não é só sobre adaptação às inundações, às catástrofes, mas sobre modelos de negócio — e o setor privado brasileiro começa a se mexer, sim. Muitas empresas querem saber como essas equações de investimentos vão passar pelos seus setores. Por outro lado, há a distância da sociedade de entender os instrumentos, a linguagem governamental. NDC, métricas, tonelada de CO2 equivalente, isso tudo é palavrão. É preciso capacidade de mobilizar as pessoas, e por isso não gosto do tom de tragédia. É preciso saber dizer: “Olha, isso aqui vai começar a ser diferente na sua vida”. Por isso a transição é tão importante, pois representa o tempo necessário não só para ter ambição, implementar projetos, mas, também, para mudar a mentalidade da sociedade. Quero ver brasileiro comendo carne sem desmatamento. Não preciso que Pierre na França compre, mas que Pedro compre. Se ele comprar carne sem desmatamento, vai entender que é um ator de transformação. Se não falarmos a linguagem das pessoas, vamos continuar operando em bolhas, nos pequenos poderes. Mas todos são vítimas. É preciso tratar desse tema de outro jeito, porque não acredito em pessoas que queiram viver a política com base em problemas, perpetuando o modelo que nos trouxe até aqui, com ganhos e perdas. Só que, para lidar com a era climática, com a era de inovação tecnológica — as chamada era biológica —, é preciso querer mais do Brasil e teremos de ser mais responsáveis pelo País.

ESTA ENTREVISTA FAZ PARTE DA EDIÇÃO #488 (SET/OUT) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL AQUI.

Entrevista Vinícius Mendes | Edição de texto Dimalice Nunes Canal Um Brasil
Entrevista Vinícius Mendes | Edição de texto Dimalice Nunes Canal Um Brasil
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