Dilema na mesa

05 de dezembro de 2025

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O governo brasileiro está analisando uma proposta para classificar a tilápia como espécie exótica invasora. A medida, que pode endurecer as exigências de biossegurança para os piscicultores, tem dentre os objetivos evitar a fuga do peixe para ecossistemas nativos — um problema já bem documentado em todo o País. O debate instalou-se e alarmou os produtores, temerosos de que as novas regras prejudiquem um setor em rápido crescimento.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) está atualizando a sua Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras, que será debatida no início de 2026 em uma reunião da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio), composta por representantes de 12 ministérios, agências federais e locais, instituições de pesquisa, ONGs, comunidades indígenas e grupos agrícolas. A tilápia é uma das mais de 400 espécies animais em análise.

Originária da África — uma das espécies mais comuns da família é a tilápia-do-nilo, nomeada em homenagem ao rio africano —, a tilápia espalhou-se globalmente pelo setor da aquicultura e agora está entre os peixes mais cultivados do mundo. No Brasil, ela domina o setor. Os produtores reagiram negativamente à proposta, alertando que tornar a tilápia uma espécie invasora poderia ameaçar a produção nacional.

Entidade representativa do setor, a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) afirmou que a medida poderia “colocar em risco milhares de famílias que dependem da aquicultura para sobreviver”. O MMA rebateu a crítica, afirmando que a inclusão na lista não proibiria a criação de tilápia. “A inclusão é de natureza técnica e preventiva e não implica qualquer proibição, restrição de uso ou criação”, declarou o Ministério, em comunicado. O objetivo, acrescentou, é subsidiar “políticas públicas e medidas de prevenção e controle” para a proteção da biodiversidade.

Mesmo dentro do governo, o plano causou desconforto. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) expressou “preocupação com os potenciais impactos econômicos e sociais” da classificação como invasoras de espécies aquícolas amplamente utilizadas, especialmente no que diz respeito ao licenciamento ambiental. O MPA está preparando um relatório técnico para a Conabio.

Há mais de três décadas

A tilápia foi introduzida no Brasil na década de 1950 e atingiu escala comercial na década de 1990, com a importação de novas variedades vindas de Israel. O rápido ciclo de crescimento e a capacidade de adaptação permitem que sobreviva nas mais diversas condições ambientais, tornando-se uma espécie atraente para os piscicultores. Essas características sustentam tanto o seu sucesso comercial quanto o seu potencial invasor.

O mercado global da tilápia despertou o interesse dos piscicultores brasileiros. “A tilápia é comercializada e consumida no mundo todo, e os produtores viram a possibilidade de comparar preços internacionalmente como uma oportunidade”, afirmou Matheus do Valle Liasch, analista de mercado de tilápia do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP). Embora a produção brasileira de tilápia tenha mais que dobrado na última década, a de espécies nativas perdeu espaço.

O Brasil produziu 662,23 mil toneladas de tilápia em 2024, a maior parte destinada ao consumo interno, embora as exportações — principalmente para os Estados Unidos — estejam em crescimento. O país norte-americano impôs tarifas adicionais de 50% em agosto de 2025, resultando em uma queda de 30% nas exportações no terceiro trimestre deste ano em comparação com o ano anterior. Mesmo assim, analistas afirmam que as perdas foram atenuadas pela menor produção total e pela forte demanda interna.

Mercado ‘versus’ biodiversidade

A criação de tilápia no Brasil baseia-se em dois sistemas principais: tanques de terra próximos a rios e cultivo em gaiolas em reservatórios, como represas de hidrelétricas. As fugas são mais frequentes neste último sistema, embora existam tecnologias, como cercas elétricas subaquáticas, que podem reduzi-las.

O licenciamento ambiental é gerenciado principalmente por órgãos estaduais. Se a tilápia for incluída na lista de espécies invasoras, o governo federal poderá introduzir regras mais rígidas para evitar fugas, afirma Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do MMA. “A maior preocupação envolve os cultivos em reservatórios, onde os vazamentos são mais difíceis de controlar”, observa. 

Quaisquer novas regulamentações provavelmente serão elaboradas em coordenação com o MPA. Estudos documentaram a presença da tilápia em ecossistemas por todo o Brasil — de Estados do Sul, como o Paraná, maior produtor do País, até a Amazônia — inclusive em áreas protegidas e até mesmo em ambientes de água salgada.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o biólogo e professor Jean Vitule descobriu que rios próximos a fazendas de tilápia frequentemente abrigam a espécie, o que sugere falhas no confinamento, no descarte de resíduos e no zoneamento. “As tilápias são animais extremamente territoriais. Sua introdução pode reduzir as populações de peixes nativos, que têm o direito de existir nesses ecossistemas”, afirma.

Eventos climáticos extremos também podem causar a dispersão da espécie. Após as enchentes do ano passado, pesquisadores encontraram tilápias em águas salobras e marinhas no Rio Grande do Sul.Vitule argumenta que o Brasil não deveria depender de espécies importadas, uma vez que abriga uma das mais ricas biodiversidades de água doce do mundo. “Temos pelo menos 3,5 mil espécies de peixes de água doce documentadas no Brasil — mais do que qualquer outro país”, compara. “Portanto, não acho que o Brasil precise se orgulhar de criar espécies exóticas”, conclui.

A publicação deste conteúdo é fruto de parceria entre a Revista Problemas Brasileiros e o portal The Brazilian Report. Acesse aqui o material original, em inglês.

The Brazilian Report Débora Faria
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