As férias escolares são ansiosamente aguardadas por alunos e toda a comunidade escolar. É nesse período que os estudantes têm a chance de passar mais tempo com a família e com crianças de outros círculos de convivência, o que é fundamental para a expansão de horizontes e para o pleno desenvolvimento. Mas é na escola que são dados os primeiros passos não só do aprendizado dos conteúdos didáticos, como também da vida social. Nesse segundo ponto, os pátios escolares e o tempo livre de recreação e convivência são marcados pelas diferenças de gênero que acompanharão meninos e meninas vida afora.
No intervalo das aulas, meninas e meninos ocupam os espaços de formas diferentes. Sem nenhuma ordem específica dos adultos, os alunos obedecem a um padrão bem estabelecido ao aproveitar os intervalos — meninos correm por toda parte, explorando ao máximo o pátio, enquanto as meninas ficam pelas bordas, espremidas nos cantos. Essa percepção empírica, que pais e professores podem ter no dia a dia, foi comprovada em mapas de deslocamento das crianças na hora do recreio, feitos pelas arquitetas e pesquisadoras Honorata Grzesikowska e Ewelina Jaskulska, com imagens que se tornaram virais nas redes sociais.
As arquitetas acompanharam os trajetos de estudantes de ambos os sexos — adolescentes de 13 a 18 anos —, em duas escolas na comunidade autônoma da Catalunha, na Espanha, e a divisão ficou evidente. O pátio era praticamente deles, que andavam, ou corriam, pela totalidade da área livre. O traçado dos passos das meninas, por sua vez, concentrou-se em espaços laterais e muitas vezes escondidos, como debaixo de uma escadaria. A área usada por eles era dez vezes maior do que a ocupada por elas.
Para chegar ao resultado, as pesquisadoras fizeram observações durante um ano, em parceria com toda a comunidade escolar, incluindo os pais, concluindo que um dos responsáveis pelo fenômeno é o que elas chamam de “futebolcentrismo” nos espaços de lazer.
O artigo científico que a dupla prepara ainda não foi publicado, mas a proposta ganhou tanta repercussão que as arquitetas decidiram avançar no estudo e ampliar o escopo. “Estamos atualmente no esforço de criar um fórum internacional de pessoas interessadas na pesquisa. O nosso objetivo é refinar e disseminar a metodologia, bem como construir análises comparativas em diferentes países, para compreender como o futebolcentrismo se manifesta em outros locais, que tipos de espaços funcionam melhor e por quê”, conta Honorata.
Segundo ela, o desenho do espaço de brincadeiras determina as experiências de meninos e meninas. Quando há um desequilíbrio favorecendo o futebol, os meninos são privilegiados. As consequências dessas experiências não ficam restritas à escola. “Os pátios escolares desempenham um papel central na formação das percepções que as crianças têm de si mesmas e das suas posições no panorama social mais amplo. Eles servem como o principal espaço público ao ar livre e uma arena sem regras para as crianças, onde elas navegam autonomamente nas hierarquias sociais”, afirma.
Nas escolas, educadores reconhecem os padrões e muitas vezes esforçam-se para revertê-los. No entanto, não há respostas simples para equilibrar os usos, mesmo entre estudantes mais novos. Numa escola pública de ensino fundamental até o quinto ano, ao notar que as meninas ficavam nos cantos, os professores chamaram-nas para uma roda de conversa, com o objetivo de entender por que elas não usavam as quadras durante o recreio. A resposta foi simples: era difícil jogar com os meninos porque eles eram muito violentos e só jogavam futebol.
Estabeleceu-se, então, que às quartas-feiras, a quadra seria de uso exclusivo delas. A princípio, elas comemoraram, mas em apenas um mês a quadra passou a ficar deserta nesses dias. Os meninos reclamaram por não poderem usar um espaço que, afinal, não estava sendo aproveitado e acabaram ganhando de volta o direito de uso todos os dias da semana.
A quadra não se mostrou atrativa para as meninas no recreio e deveria haver espaços mais diversos. Nesse jogo entra em campo também um forte fator cultural — o que se espera socialmente das meninas as afasta dos esportes. Assim como desde cedo meninos e meninas são divididos pela cor das roupas ou pelo tipo de brinquedos, certos comportamentos são esperados de acordo com o gênero de cada um. Ao longo do tempo, essa construção faz com que, ao chegar no ensino médio, um grande número de meninas peça para não fazer aulas de Educação Física.
“Materiais degradados, espaços insatisfatórios, pouca variedade de atividades são problemas comuns nas escolas da rede pública e atingem os estudantes indistintamente, meninas ou meninos. Por que praticamente só elas se afastam das atividades físicas?” Esta era a questão que inquietava Carolina Mezzetti Rochael, professora de Educação Física, quando decidiu estudar o tema em seu mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ao se dedicar a ouvir um grupo de alunas do ensino médio que ficava de fora dessas aulas, a professora descobriu fatores além da infraestrutura. De um lado, existe uma expectativa corporal mais forte sobre elas. “Todos saem desarrumados de uma aula de Educação Física, mas delas se espera que estejam sempre bonitas, cheirosas, de cabelo arrumado. A partir do nono ano, elas já vão maquiadas para a escola”, relata Carolina. Portanto, uma escola sem bons banheiros, um problema estrutural para todos, prejudica mais as meninas.
No entanto, o que mais chocou a professora foi descobrir uma imensa vergonha do próprio corpo, que às vezes não começa na escola. “Uma menina que corre na Educação Física e os seios balançam deveria ser algo normal, mas, na prática, leva ao constrangimento. Uma menina que correu na rua para pegar um ônibus e sentiu olhares, ou ouviu certas coisas, depois não quer repetir a experiência”, ressalta Carolina sobre o que ouviu das alunas. A violência verbal também é mais forte contra elas. “Se erram, são xingadas. Elas vão ficando com um medo exacerbado de errar e, para isso não acontecer, preferem nem tentar”, completa. Dessa forma, acabam mais e mais afastadas das quadras.
Quando se reconhece que há múltiplos fatores anteriores que levam ao padrão de afastamento das meninas das quadras, é possível agir. “Se um menino xinga uma menina de burra, ou a chama de gostosa, é preciso intervir logo, promover uma discussão sobre gênero e expectativas corporais com a turma”, recomenda Carolina. Os professores, e mesmo os pais, podem ajudar nessa missão. Segundo a professora, a raiz da questão está na construção de uma ideia limitada de feminilidade. Uma ideia que está presente na escola, mas que vai muito além das linhas de quadras e pátios.